"(...) O que é um crítico? É alguém a quem, por uma razão ou por outra, foi dada a possibilidade de falar em público ou de escrever num qualquer meio de comunicação social sobre determinada matéria, fornecendo informações, desenvolvendo considerandos sobre a matéria versada, emitindo opiniões, mesmo formulando juízos. Mas, como já foi dito, julgo que um crítico é apenas um espectador, se bem que deva ser um espectador mais avisado, sobretudo mais informado. Não apenas informado no acessório, mas culturalmente informado, esteticamente motivado. Se possível com alguma capacidade de comunicação que o torne legível ou audível pelos outros. Quero com isto dizer que um crítico não é ninguém de particularmente respeitável pelo simples facto de ser crítico. O que não impede de haver críticos particularmente respeitáveis. Essa respeitabilidade irá consolidar-se ao longo da sua actividade, no confronto, diário ou semanal, com o seu público. E quando afirmo que um crítico tem um público estou já a definir-lhe um estatuto de respeitabilidade. Há dezenas, creio que mesmo centenas de pessoas a escrever e a falar sobre cinema, neste momento, em Portugal. Só algumas conseguem ter um público fiel. Quer dizer que a sua personalidade, que tem a ver com sua formação, valores, cultura, etc., foi aceite por um grupo mais ou menos vasto de pessoas que com ele se identifica, ou que acha particularmente produtivo com ele dialogar, ainda que por interposto meio de comunicação social, mesmo que não seja para com ele concordar sempre. Um crítico fala sobre um filme não para emitir um argumento de autoridade, mas para colocar em confronto, em diálogo, a sua opinião, com a dos leitores ou a dos ouvintes. A importância maior do crítico nos meios de comunicação social é, primeiramente, alertar para certas obras que de outra forma passariam despercebidas; seguidamente, informar sobre o realizador, as condições em que a obra foi realizada, enfim tudo o rodeou a concretização da obra e que possa ter algum significado para a sua interpretação; finalmente, questionar essas e outras obras numa perspectiva pessoal e colocar essa opinião em diálogo com os seus leitores. (...) Qual a razão porque escolhi ser, além de tudo o mais, crítico de cinema? Essencialmente porque desenvolvi, desde muito cedo, uma paixão pelo cinema. Por isso gosto de ver filmes e de escrever sobe eles. Não para impor uma opinião, mas para levar os meus leitores ou ouvintes a ver os filmes que amo, e se possível, a amar os filmes que me apaixonam. A crítica é um exercício de amor. Amor pelo cinema que se procura trocar com os outros. Como em qualquer outro acto de amor, o que se procura é dar e receber. Aqui o prazer de ver um filme, que se procura transmitir ao maior número possível de pessoas. Ao contrário do amor entre pessoas, que é possessivo, queremos a pessoa amada só para nós, a crítica é dádiva: o ideal será distribuir, difundir o objecto do nosso amor por todos. Um crítico, como qualquer outro espectador, lê o filme numa perspectiva eminentemente pessoal. Quando escreve ou fala de um filme, filtra-o pela sua personalidade. Lê-o através da sua visão muito particular, que está enformada por uma formação cultural e estética, por uma vivência humana, social, política, por obsessões e fantasmas pessoais. Por isso, as análises críticas de um mesmo filme divergem de crítico para crítico. Não há que ficar surpreendido com essa divergência de critérios. A crítica é tudo menos científica. A crítica ou é paixão, e por isso mesmo, subjectiva, ou não é crítica. A leitura de cada obra é também a leitura de que a faz. Lê-se um filme “através” de quem o lê. Descobre-se o filme e descobre-se igualmente o leitor dessa obra."
Breve excerto de "Escrever sobre cinema", de Lauro António, publicado na Revista de Cinema Online Take, nº 6. Delicioso como se consegue dizer exactamente o mesmo que outros críticos há anos apregoam com tanto azedume - talvez com razão para tal, já que muitos continuam a pensar serem senhores da razão, quando esta é puramente subjectiva -, de forma apaixonadíssima. Sem ataques nem caprichos de estrela.
4 comentários:
you got that right ;)
Pois é! Escrever sobre cinema não é só criticar pela negativa. Parece que algumas pessoas só gostam de falar mal porque é mais divertido ver os defeitos do que as qualidades. Eu quando vejo algum filme que gosto não poupo nos elogios. :)
Beijos
Concordo com as palavras de Lauro António. Penso é que em Portugal, alguns críticos,ou nunca amaram o cinema, ou foram perdendo esse amor.
A suas criticas em vez de revelarem essa paixão pelo cinema, revelam o "frete" por que tem de passar semanalmente...
Não é,definitivamente, o caso de Lauro António, já quando tinha o seu programa de cinema se notava o amor que ele tem a esta arte nas suas entusiásticas apresentações do filme que se iría ver de seguida.
O Lauro António é um senhor. Ponto final. Ao colocar este excerto, pretendi mais focar o problema antigo que atinge a blogosfera - desapareceu do meu blogue há uns tempos, felizmente -, que quando alguém tem uma opinião contrária à de alguém que se julga dono da razão, é dizimado por completo. Não é preciso recuar muito para ver posts noutros blogues a criticar o que já aqui foi escrito ou em zonas de comentários de outros blogues. Mas a questão fulcral é: manter o diálogo aberto. Uma ovelha negra não pode prejudicar um rebanho inteiro. E aí, João Lopes, por exemplo e apenas para citar um, já há muito perdeu esse duelo no seu blogue. De que vale uma opinião, se não pode ser debatida, com educação?
Cumprimentos a todos ;)
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