quinta-feira, março 31, 2022

Downfall: The Case Against Boeing (2022)

Não há nada neste documentário do experiente Rory Kennedy que seja novidade para qualquer apaixonado atento do mundo da aviação. Tanto as pseudo-descobertas quanto as conclusões aqui desenhadas foram, na verdade, obtidas por vários especialistas do ramo como por conceituados jornalistas ao longo dos últimos anos, sem qualquer causa-relação com este suposto trabalho de investigação em torno de uma das mais famosas e bem-sucedidas empresas da história dos Estados Unidos da América: a Boeing, fundada há mais de um século. Dito isto, retirado este mérito que não é seu, Kennedy reúne de forma certinha e formulaica tudo o que se foi descobrindo em relação ao escândalo do 737 MAX, junta relatos de ex-funcionários dos tempos áureos, explica as mudanças estruturais derivadas da fusão com a McDonnell Douglas e, por fim, elabora uma tese óbvia sobre as consequências vorazes da concorrência no mercado. Chover no molhado para os entendidos na matéria, possível escândalo revelador para os mais distraídos.

quarta-feira, março 30, 2022

Retroactive (1997)

Como sabe bem ver Jim Belushi a adorar ser vilão, a transformar um texano machista e violento numa personagem que dá gosto odiar. E que surpresa esta Kylie Travis personalizada e intensa, uma actriz que apareceu tão depressa quanto desapareceu, sabe-se lá porquê. Filme de estrada com viagens no tempo compacto e certinho, com tudo explicado ao mais redundante dos pormenores - e reforçado aqui e ali não vá alguém ficar com alguma dúvida - apimentado com violência e acção q.b. palpável, suficiente para disparar a sua classificação etária para o escalão mais alto. Pena que não tenha tido qualquer cuidado com as suas noções de tempo e de espaço - aqueles dez/vinte minutos nunca seriam apenas dez/vinte minutos e não faz sentido demorar o mesmo tempo a chegar à estação científica nos vários timeloops quando uns envolveram percursos de carro e outros não -, mas caramba, atirem-me o Belushi redneck qualquer dia da semana que eu aceito de bom grado. Vencedor do prémio de Melhor Filme do Fantasporto em 1998.

terça-feira, março 29, 2022

Magic in the Moonlight (2014)

Quase todas as imagens de marca do mestre num piloto semi-automático tão familiar quanto, infelizmente, concentrado no tom errado. O mistério engraçado abre quase sempre caminho para a comédia romântica sem química nem credibilidade entre o Nietzsche de meia idade céptico e pessimista de Firth e a jovem vidente sem chama ardente de Stone. Não se sente paixão por mais sugerida que seja; não se acredita que os próprios acreditem nos diálogos que vocalizam, por mais interessante que seja a escrita de Allen. Terceiro acto demasiado displicente - cá está, o amor após a revelação do truque de magia -, duas ou três auto-homenagens visuais - o observatório como refúgio, tal e qual em "Manhattan" - e uma cinematografia apurada em jeito de fábula, sob uma palete de cores que nos atiram directamente para os loucos anos vinte.

segunda-feira, março 28, 2022

Trust No One: The Hunt for the Crypto King (2022)

Desengane-se quem procura um registo didáctico e informativo sobre criptomoedas: "Trust No One" é mais um - sem qualquer conotação pejorativa - documentário criminal da Netflix com uma revelação banal mas um build-up do caraças. Um registo bem filmado e editado com fortes bases de pesquisa, que encontra as pessoas certas para dar voz, que encadeia os acontecimentos de forma inteligente e matreira de modo a precipitar-nos uma data de vezes sobre falsos suspeitos e falsas conclusões. Uma fórmula experimentada e infalível, que por mais desonesta que seja, é eficaz nos seus propósitos de entretenimento de massas. Seja com pulhas maquiavélicos no Tinder ou no reino das Bitcoins; são mais que as mães e andam por todo o lado.

domingo, março 27, 2022

Windfall (2022)

Expectativas altas ou não estivesse o promissor Charlie McDowell ("The One I Love") no comando. Esperança seguida de desespero, pela desilusão de um thriller que se anunciava hitchcockiano mas que, depois do arranque promissor, arrasta-se entre silêncios e diálogos bacocos, de personagens mal trabalhadas, interpretadas por dois actores, na minha opinião pessoal, terrivelmente limitados a um registo meio pacóvio que não favorece a trama. É encher chouriços até à reviravolta final de Lily Collins, sem grande justificação ou sentido, algo que ainda assim por mais frustrante que seja a nível lógico acaba por ajudar na forma abrupta, inesperada e repentina com que o twist final nos atinge. Cinematografia simples mas cativante, sonoplastia ajustada ao ambiente e os sapatos de mulher mais horrorosos que haviam no guarda-roupa. Crítica social que se esvai com o passar dos minutos, com o tom inicial de comédia negra a desaparecer misteriosamente entre tanto enquadramento vazio.

sábado, março 26, 2022

sexta-feira, março 25, 2022

No Exit (2022)

Conceito e ideia engraçada que, no entanto, não consegue desdobrar-se num todo competente e coeso. Revelações e reviravoltas fundamentais - vilões e heróis - cedo demais, arcos de personagens com pouco ou nenhum interesse, redenções pessoais pouco convincentes, diálogos preguiçosos e acting, para ser simpático, competentezinho de quase todo o elenco. Final genérico e sensaborão abrilhantado ainda assim por alguma audácia na forma algo visceral como Damien Power trata as cenas mais violentas - não há como falhar com pistolas de pregos -, e o mérito de, com um orçamento modesto, conseguir manter a atmosfera sombria e tensão q.b. durante hora e meia. Mesmo que ao fim de meia hora, terminado o whodunnit, tudo fique tão previsível quanto ir a Pisa e tirar uma fotografia a segurar a torre ou alguém snifar cocaína num filme como desculpa para superar uma dor fulminante.

quinta-feira, março 24, 2022

The Boys (S2/2020)

Nível igual ou superior à temporada de estreia, com violência hiperbólica, humor negro, personagens deliciosas - que grande adição que se revelou "Stormfront" para a dinâmica maquiavélica do grupo - e uma mão-cheia de momentos de uma astúcia visual e narrativa ímpar. "The Boys" mantém-se fiel a si próprio, sem medo de correr riscos, de esticar a corda que tem na outra ponta o espectador, uma sátira sagaz às sagas de super-heróis que polvilham a cultura popular dos nossos dias, às redes sociais, ao crescimento da extrema direita e a tantas outras questões sócio-políticas. O bem contra o mal, o mal contra o mal, o bem contra o bem, o sei-lá-se-é-bom-se-é-mau contra o zé povinho. Esperemos que a terceira temporada consiga manter a bitola lá em cima.

quarta-feira, março 23, 2022

RV (2006)

Robin Williams já numa fase descendente da sua carreira - o ar pesado e depressivo nas suas feições não desaparece nem nos momentos mais alegres do filme - e mais uma comédia familiar de início de século construída em torno de animais a atacar humanos, piadas de caca - literalmente - e cenas de dança/cantoria cringe de actores que deram tudo o que tinham durante décadas para acabar nestas figuras. Culpa de Barry Sonnenfeld - o Irv que está estampado na caravana, realizador da saga "Men in Black" -, culpa de um guião preguiçoso, culpa de quase tudo. Até do mini Peeta de roupas largas e do capitão, oh meu capitão, a passar de Walt Whitman para um qualquer rapper dread. Caraças, não podiam ter dado isto ao Chevy Chase?

terça-feira, março 22, 2022

Sacha Baron Cohen

segunda-feira, março 21, 2022

Auntie Lee’s Meat Pies (1992)

Um realizador porno, uma estrela de porno hardcore - Teri Weigel - e a Karen Black como líder de um culto satânico de moças jeitosas que transforma, literalmente, homens em tartes de carne. Quartos de uma mansão que são recriações foleiras em néon de Stonehenge, uma serpente gigante, cabeças a rolar, uma banda de metal com as hormonas aos saltos, maminhas à mostra, máquinas de nevoeiro, o Pat Morita xerife quase sempre de cigarro na boca, o cabeça de cone do Michael Berryman e uma cena final numa piscina em que a cada mergulho os biquínis fogem cada vez mais do sítio correcto. Com toda a honestidade do mundo, o que há para não amar neste conto erótico canibalesco restaurado de forma irrepreensível pela Vinegar Syndrome? Que a bênção de Lúcifer esteja convosco, vegetarianos.

domingo, março 20, 2022

Homens por Garland

sábado, março 19, 2022

Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom (2015)

A Revolução da Dignidade. Editado a partir de três meses de filmagens de protestos nas ruas do povo ucraniano, entre Novembro de 2013 e Fevereiro de 2014, contra a decisão autocrática e inesperada do então presidente Viktor Yanukovych de não assinar os tratados planeados de adesão e cooperação com a União Europeia, alegadamente por cedência à pressão feita no sentido oposto por parte de Putin e da Rússia. Batalhas violentas entre forças armadas e policiais contra milhares de ucranianos de todas as idades e géneros que enchiam as ruas e pediam a demissão de Yanukovych, de um governo e de um estado corrompidos pelo abuso de poder, pela influência dos oligarcas e pela constante violação de direitos humanos no quotidiano do povo. Três meses que resultaram em mais de uma centena de mortos, milhares de feridos e numa caminhada de incontáveis ucranianos - avenidas a abarrotar - em direcção ao parlamento no dia 20 de Fevereiro que acabou com a fuga do país de Yanukovych poucas horas depois. Não haveria intervenção policial que resistisse a tanta gente. Votação feita no parlamento para o demitir, novo governo formado. Acaba este "Winter of Fire", a vitória do povo e da democracia. Seguiu a vida, que não é uma linha recta. Se fosse uma trilogia, no segundo tomo teríamos Yanukovych a defender que se tratou de um golpe de estado e a pedir ajuda à Rússia. Russos não reconhecem novo governo e acabam a invadir a Crimeia, proclamando ainda Donetsk e Luhansk. No terceiro capítulo, "operação militar especial" sobre toda a Ucrânia em 2022. E ainda não sabemos como é que isto vai acabar. Descomunização e desnazificação de um lado para o outro. Vida esta, em que os ricos fazem guerra e os pobres é que morrem.

sexta-feira, março 18, 2022

Twist: it's a mannequin

quinta-feira, março 17, 2022

Anxious People (S1/2021)

Série da Netflix baseada num dos livros mais recentes de Fredrik Backman (autor do conceituado "A Man Called Ove"), "Anxious People" molda-se num formato muito Agatha Christiesco em torno de um assalto a um banco que corre mal. Ladrão inapto, polícias incompetentes - ainda por cima pai e filho - e um apartamento à venda, em dia de porta aberta, que acaba por servir de refúgio para crimininoso e reféns com as mais variadas histórias de vida. Mais do que o jogo de Cluedo que se desenrola ao longo dos seis episódios, a verdadeira essência da escrita de Backman é, uma vez mais, a condição humana, as relações e as emoções que se escondem por detrás de capas aparentes de implacabilidade. Humor leve, coração cheio e um mistério que deita cartas fundamentais na mesa demasiado cedo, perdendo quase todo o seu potencial "policial" antes do tempo. Ainda assim, seis curtos episódios de vinte minutos que passam a voar, para ver numa tarde de domingo chuvosa.

quarta-feira, março 16, 2022

2006 Emmys Opening

terça-feira, março 15, 2022

Scream (2022)

Uma requela, seja lá o que isso for. Quase como que um filme feito por fãs, para fãs, que deixaria Wes Craven orgulhoso nem que fosse pelo esforço em manter o tom e a natureza "meta" do universo "Scream". Diverte, ainda brinca com o género no meio de dois ou três diálogos patetas e, não surpreendentemente, peca apenas por não conseguir surpreender minimamente a nível narrativo na vertente whodunnit, algo cada vez mais complicado de alcançar com o desenrolar da saga. Cinematografia competente, mortes "assim-assim" no que à criatividade diz respeito, a melhor performance de David Arquette desde o arranque e Neve Campbell e Courteney Cox claramente a mais - ou a menos, dependerá da perspectiva -, como que aquelas tias distantes que são convidadas por obrigação para o casamento do filho, verdadeiras "legacy characters" sem nada de relevante para dizer ou fazer. Nada mau para desenjoar desta onda de "elevated horror" que tem dominado o mercado nos últimos anos.

segunda-feira, março 14, 2022

domingo, março 13, 2022

Richard Jewell (2019)

A dançar de forma tão efusiva a Macarena queriam o quê? Realização sóbria de Eastwood, papelão do normalmente secundário Paul Walter Hauser, Sam Rockwell tão subtil quanto eficaz e Kathy Bates, bem, Kathy Bates a ser Kathy Bates, infalível quando chamada a brilhar já bem perto do fim. Já as personagens de Jon Hamm e, principalmente, de Olivia Wilde, parecem rábulas construídas em torno da mensagem política e sensacionalista que Eastwood pretendia passar em torno da promiscuidade entre agências governamentais e o jornalismo. Falta-lhe alguma audácia na dúvida que cria para o espectador não familiarizado com a história em causa, mas ainda assim, mesmo neste piloto automático que tomou conta do cinema do velho Clint, eis uma experiência curiosa sobre um herói americano tornado vilão pelos media, sedentos de descobrir a verdade primeiro que quem de direito.

sábado, março 12, 2022

William Hurt (1950-2022)

sexta-feira, março 11, 2022

Malignant (2021)

Nem tinham passado cinco minutos e já estava a perguntar à minha mulher que parvoíce era esta. Ao que ela respondeu: "calma, é um sonho, ou um filme dentro de um filme, de certeza". Não era. Era mesmo parvoíce de acting, de edição, de sonoplastia, de ângulos e efeitos numa estética tão artificial e azeiteira que os jumpscares pareciam comédia e as cenas de acção um jogo de computador qualquer rasca corrido numa placa gráfica com os drivers desactualizados. Eu nem sou dos que embirra com o James Wan, mas caramba, que sensação de filme de terror feito para passar ora na Fox Life ora no Trace Urban TV. Uma ou duas referências cinéfilas ao género e três ou quatro ideias interessantes numa história que tinha conteúdo mais do que suficiente para brilhar por si própria sem necessidade de tanto fogo de artifício. Tirando isso, todo um caos técnico estúpido que nem deixa este "Maligno" ser um mau filme descansado.

quinta-feira, março 10, 2022

Mad Fun Nick Cage

quarta-feira, março 09, 2022

The Lost Daughter (2021)

Percebe-se a nomeação de Olivia Colman a melhor actriz principal para a próxima edição dos Óscares, mas a verdade é que "The Lost Daughter", enquanto filme, é uma mão cheia de nada. Três linhas narrativas que não levam a lado nenhum - os "gregos" que parecem vilões mas nunca fazem nada que justifique tal fama, a personagem completamente aleatória e redundante do Ed Harris e a doença misteriosa da protagonista -, um acto central que molda todo o percurso das personagens - o roubo da boneca - sem qualquer tipo de explicação ou fundamento coerente - "não sei porque o fiz, sou uma má pessoa" e um suposto acontecimento passado trágico na praia de uma das filhas, que surge em flashback, que afinal não passou de um susto sem consequências graves. A mensagem parece clara: ter filhos é o cabo dos trabalhos; mas a forma como Maggie Gyllengaal monta a história, edita as imagens e trabalha as personagens é tão atabalhoada e ominosa, que até o raio de uma ilha grega transforma-se numa paisagem sem qualquer traço de personalidade. Maggie, gosto mais de ti à frente da secretária do que atrás da câmera.

terça-feira, março 08, 2022

Caranguejo à Rapace

segunda-feira, março 07, 2022

Cry Macho (2021)

"Esta coisa de ser macho é sobrevalorizada", diz-nos a personagem de Eastwood a certa altura deste "Cry Macho", qual declaração de redenção de uma vida e de uma carreira. "Gran Torino" encontra "The Mule", com uma narrativa pouco credível - a jovem mãe exótica líder de um gang cheia de vontade de levar um idoso para a cama revela-se um devaneio completamente despropositado e ridículo -, diálogo demasiado preguiçoso e um conjunto de interpretações - principalmente do miúdo - que roça a vulgaridade. Sabe bem ver o velho Clint no ecrã em boa forma física e mental no alto dos seus noventa e um anos, mas este exercício de contemplação cinéfila crepuscular - o fim enquanto actor/realizador está inevitavelmente próximo - não apaga a falta de chama e de coerência deste neo-western tão saudosista quanto banal.

domingo, março 06, 2022

Plan B: Kill them All

sábado, março 05, 2022

Space Force (S2/2022)

Temporada de humor muito mais refinado e apurado, que aproveita bem o corte no orçamento que as inesperadamente baixas "audiências" da primeira temporada provocaram neste regresso. Lançamentos de naves para o espaço e batalhas na lua deram lugar a momentos deliciosos de muito maior intimidade e proximidade, mais focados no conteúdo da mensagem e não tanto na forma de a passar, entre um elenco diversificado sem elos fracos, onde todos se complementam na perfeição. Inúmeras referências inesperadas a Portugal, Malkovich a brilhar ainda mais que Carrell e um meteorito a caminho da Terra. Será motivo suficiente para esta sátira política - a Space Force foi mesmo criada por Trump - conseguir uma terceira vida?

sexta-feira, março 04, 2022

Jealous Affleck & Horny Ana

quinta-feira, março 03, 2022

Poltergeist (1982)

Produzido, escrito - caso raro - e, rezam algumas más línguas presentes nas filmagens, realizado quase na totalidade por Steven Spielberg, é na verdade a Tobe Hooper ("Texas Chainsaw Massacre") que pertencem os créditos de realizador deste "Poltergeist". Tom muito característico, como que um filme de terror para (quase) toda a família, um dos primeiros PG-13 com temas e matérias verdadeiramente assustadoras envolvidas num ambiente informal, intimo e quotidiano, facilmente identificável para o espectador. Os medos de infância de Spielberg - os palhaços e as árvores a abanar na escuridão - na tela, a televisão como medium de eleição para a proliferação do medo e para comunicar com o sobrenatural, uma casa assombrada cuja mais importante divisão está nas relações de amor - nas suas mais variadas formas e feitios -, entre as personagens. Custa a acreditar que Heather O’Rourke tinha apenas seis anos quando participou neste "fantasma barulhento" - significado do termo alemão Poltergeist -, ela que foi uma das vítimas da afamada maldição em torno do elenco, castigo segundo alguns de terem sido usadas caveiras verdadeiras numa cena pelo simples facto de serem mais baratas que as falsas. No creo en brujas, pero que las hay, las hay.

quarta-feira, março 02, 2022

Nas Nalgas do Mandarim - S09E03

terça-feira, março 01, 2022

Pleasure (2021)

Sofia Kappel dá o corpo ao manifesto nesta sua estreia na grande tela. E que estreia, numa performance tão vulnerável quanto exigente no meio de uma mão-cheia de cenas de uma brutalidade visual tremenda, da violação disfarçada de sessão de sexo hardcore previamente consentida pela própria ao ménage BBC mais querido da história do cinema - provavelmente o único. Espectro largo e ambivalente num retrato cru de uma indústria numa era decisiva da mesma - a ascensão do OnlyFans representa todo um novo paradigma no papel e na autonomia de gestão profissional das carreiras femininas -, com interessantes escolhas cénicas e visuais - das cores fortes e vivas aos vários subgéneros pornográficos representados - mas de uma banalidade atroz nos temas mais comuns que abraça, da amizade à concorrência. Os "sim's" arrancados por palavras e contractos de circunstância, o prazer (ou a falta dele) e a misoginia estrutural simbolizados num discurso e numa mensagem que não os elogia mas também não os condena. Porque a Bella de Sofia sente-se perdida na perseguição do seu "sonho americano" e parece nunca arrancar nenhuma conclusão definitiva, por mais emocionais que sejam as suas cicatrizes.