Embora convenientemente acomodado pelo multifacetado Emir Kusturica - que aqui realiza e assina o guião - para consumo internacional, esta alegoria satírica de quase três horas sobre o processo de transformação da antiga Jugoslávia desde a Segunda Guerra Mundial até a um presente recente pós-comunista, continua a ser um produto tão excessivo quanto delicioso. O enredo absurdo - e fique claro que não uso o termo num sentido depreciativo - de "Era Uma Vez um País" envolve um par de traficantes de armas e contrabandistas de ouro nazi - entretanto transformados em heróis comunistas -, um casamento com uma actriz em ascensão e uma cave completamente afastada da realidade, misturados numa trama tão flexível quanto teatral. Adaptado livremente de uma peça do co-autor Dusan Kovacevic, "Underground" continua hoje a ser o mais sarcástico e surreal filme em competição a ganhar uma Palma de Ouro em Cannes. Ao bom estilo provocador de Kusturica, "Bila jednom jedna zemlja" - título original da obra - facilmente tornou-se o exemplo máximo da controvérsia que acompanha a vida do bósnio muçulmano de nascença, pela sua clara postura pós-Sérvia, mesmo em tempos onde tal atitude era extremamente perigosa. Independentemente da nossa opinião sobre a sua visão facciosa da História, este continua a ser o melhor filme do talentoso cineasta até à data, um glorioso exemplo de "mise en scène" aliado a uma visão única e hilariante que está constantemente a exceder a sua própria hipérbole, mostrando a facilidade com que se criam e desfazem-se heróis através de um humor tão negro quanto inteligente.
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