Mulheres Traídas @ VHS Podcast

Black Mirror: Joan is Awful (2023)

Toca a lançar a petição: o ânus da Salma Hayek merece respeito. Meta a ser meta, dentro de um meta que desconhece, mais de um século de arte e de história resumidos a uma aplicação - ah Netflix, ainda gozas com a malta como eu que adormece a olhar para as suas prateleiras repletas dos mais variados formatos físicos -, o ódio como força motivadora mais forte que o amor, a inteligência artificial que começa a dominar o mundo e o Charlie Broker uma vez mais a antecipar o futuro. Falo do que fez com a carreira da Salma Hayek, claro. Porque o raio dos computadores a tomarem conta do planeta e das indústrias de entretenimento, bem, é mais presente do que futuro. Agora toca a ir ler os termos e condições do vosso contrato com a Netflix antes que dê asneira.

Rich Lanthimos

Nas Nalgas do Mandarim - S09E20

One Week (1920)

Keaton era um génio. Espargata à Van Damme? Não, à Keaton. Manuais de montagem do IKEA? Não, da Portable House Company. A coordenação e os timings - a casa que cai sobre si exactamente no espaço livre de uma janela -, a astúcia e audácia física - a cena da escada em queda -, a casa rotativa na tempestade, o tecto trampolim, a instalação da chaminé, o escrever invertido num tapete, o salto da porta superior qual desenho animado do Coiote e do Papa-Léguas, as imagens em reverse do lançamento de um martelo e o criar de expectativa nos espectadores com a possibilidade destes verem umas maminhas de uma rapariga na grande tela. Tanto, mesmo tanto, com tão pouco. Ideias pioneiras umas atrás das outras. E humor, daquele que resulta. Passaram mais de cem anos e descobrir a obra de Keaton continua a ser mais refrescante do que meter os olhos em cima de quase tudo o que foi feito nas últimas cem semanas.

A Pimp, a Pro and a Conspiracy walk into a lab

The Rise of Gun Fu

Cherry 2000 (1987)

Filme de estreia de Steve De Jarnatt, realizador norte-americano cujo segundo e último filme foi o thriller apocalíptico "Miracle Mile", cada vez mais um clássico de culto a ser (re)descoberto por cinéfilos das mais distintas gerações. "Cherry 2000" está longe da mestria e perícia com que a narrativa envolve o ambiente eminentemente catastrófico deste seu último trabalho, mas não deixa de ser um ponto de partida relevante para moldar todo o ambiente kitch retro-futurista em torno da sua curta filmografia. Um gangue de bandidões com calções e camisas havaianas, um set distópico muito Mad Maxiano - Melanie Griffith como a Furiosa que nunca foi, de bazuca ao ombro -, o Robert Z'Dar - "Maniac Cop" para os mais distraídos - nuns calções de ganga três tamanhos abaixo do número que lhe permitiria ter alguma circulação sanguínea nas partes baixas e, por fim, uma vaginóide cibernética futurista de altíssimo detalhe com menos resistência à água do que um relógio dos chineses. Sofre muito por ter sido descoberto depois do "Miracle Mile", mas é assim a vida.

Dad Homelander

Mahjong & Crazy Rich Asians

Crazy Rich Asians (2018)

Uma vez por ano lá dou uma oportunidade a uma romcom qualquer, seja enclausurado numa viagem de avião ou num serão de redenção com a cara metade depois de uma noitada embriagada de poker com os amigos. O grave é que raramente fico desiludido com o que vejo. Serei eu um romântico incurável em negação? "Crazy Rich Asians" cumpre em toda a linha: elenco competente, paixonetas à primeira vista - Constance Wu, que mimuuu -, química a rodos, personagens para todos os gostos, duas ou três cenas para rir a bom rir e uma pitada de drama nos olhos assassinos de Michelle Yeoh. Dinâmicas familiares asiáticas representadas com respeito em Hollywood, sets extravagantes, ritmo irrepreensível e um jogo de Mahjong para terminar em beleza. Deixem-me em paz, sou feliz assim.

The Thousand Faces of Michelle Yeoh

Mais três horinhas e meia de Scorsese

The Killing (1956)

Considerado o primeiro filme de "adulto" de Kubrick, numa prateleira de videoclube algures entre o "Rififi" de Dassin e os "Cães Danados" de Tarantino. Um golpe perfeito longe de o ser, um puzzle estrutural que se monta entre analepses e prolepses que nos apresentam o antes, o durante e o depois de um grupo de homens que ousou assaltar os recheados cofres de um recinto de corridas de cavalos. Há toda uma estética noir clássica de crime quase irresistível, mas tanto a narração omnipresente que interrompe constantemente a imersão enquanto espectador quanto a representação/relação amorosa extremamente melodramática e dissonante de Marie Windsor - a sua última fala é praticamente uma alegoria à sua interpretação ("just a bad joke with no punchline") - acabaram por deslustrar mais uma descoberta pessoal na filmografia de uma lenda.

Why Are Kung Fu Movies So Patriotic?

Streamberry

Killer's Kiss (1955)

O segundo filme de Kubrick, o beijo do realizador à cidade que o viu nascer, filmado anonimamente no meio da confusão, sem orçamento mas já com muitos detalhes técnicos que mostravam ao mundo - e aos professores - algo diferente. A lente que parte perante o espectador, a forma como o combate de boxe foi filmado, a cena no meio dos manequins no final. Como que um filme menor de um talento maior, com uma "actriz" de um magnetismo ímpar em estreia - Chris Chase, aqui creditada com o nome artístico Irene Kane - que desapareceu por completo para a Broadway e para o jornalismo nos anos seguintes. Descoberto quase por acaso, nos extras da versão física da Arrow Video do "The Killing".

What Makes Practical Effects So Special?

Cena & Chan

The Adventures of Tintin (2011)

I actually think Spielberg managed to capture the true spirit of Hergé: the adventure, the humor, the visual energy, the frenetic pacing of how all the small stories around Tintin develop in the comic books, even if all the action made the movie become kind of weightless as it got closer and closer to its end. But what makes me really happy is to check that, a decade later, motion-capture movies as an art/technology did not triumph. Beowulf(raid) of Avatar still.

The Invisible Horror of The Shining

A cena do ano

Operation Fortune: Ruse de Guerre (2023)

Como que assistir à segunda temporada de uma série que nem sabíamos que existia. Piloto automático do primeiro ao último minuto, a sensação do filme menos Guy Ritchie que o Guy Ritchie já montou, uma colecção de momentos que sobreviveram no meio de incontáveis horas filmadas um pouco por todo o mundo. Não há sensação de perigo, de consistência, de uma história de espionagem minimamente plausível, da iminência de uma qualquer reviravolta que nos alegre e surpreenda. Nada, como que um Chateau Margaux servido com pão duro e manteiga vegetal. Statham a ser Statham - não há nada de mal com isso, mas tem potencial para tanto mais ao contrário dos canastrões do seu calibre que polvilham Hollywood -, Aubrey Plaza de amarras e o Josh Hartnett, fod*sse, o Josh Hartnett. 2023 e ainda temos que levar com ele? Salva-se o Hugh Grant, cada vez mais longe do estereótipo cómico-romântico, um actor inesperadamente versátil e competente fora da sua zona de conforto.

Why Did Spaghetti Westerns Look Like That?

Donnie Darker

Schumacher (2021)

So Schumacher was a nasty driver and had a terrible attitude with his opponents even when it was all his fault - check his accident with Jacques Villeneuve that led to his disqualification from the 1997 championship - because... he was a Capricorn? Jesus Christ, really? Never liked Schummy as a sportsman, but can't help to have sympathy for him and his family in these hard times. As a documentary, it lacks Kapadia's brilliance and audacity in "Senna", but, at least, it manages to show all his sides - including the dark ones - and to be fair about his career. His legacy is undeniable, and let's all just hope that he'll be able to get back to the paddock someday to cheer for his son.

Uhhh Barracuda!

Aftersun (2022)

Chato, chato, chatinho. Hora e meia do nada que muitos dizem ser tudo para quem tem um pai ausente, hora e meia que se arrasta sem qualquer acontecimento relevante à espera de enfiar duas cenas para gáudio da audiência, ainda que por motivos completamente díspares: a cena de dança na discoteca ao som da "Under Pressure" dos Queen e, claro, um plano do rabo do Paul Mescal, suficiente para catapultar o filme para o estatuto de obra-de-arte para incontáveis miúdas que não sentem a necessidade de qualquer explicação para as razões que levam um pai a dormir completamente nu num quarto de hotel ao lado da filha menor. Diria o Pedro Abrunhosa, um dia devagar, um caminho cansado, uma luz inquieta, um hotel numa esquina, uma rua perdida, uma noite encantada para o resto da vida. O tempo tem asas e o mundo é o momento. Sim, eu gosto de Abrunhosa, quatro minutos e sintetiza melhor a vida que a Charlotte Wells em cento e poucos. Academia, go home, you're drunk.

Sweaty Cinema

Beyond Fear

Barton Fink (1991)

The strange tale of a New York trending playwright who gets a debut job in Hollywood, the first movie ever to win all the three major awards at Cannes. I'm not a big fan of the Coens, but I really enjoyed all the aesthetic work Joel Coen did on this "Barton Fink", both visually - the almost Shiningesque hotel - but also storywise - all the doubts and questions that will never be answered, from mysterious boxes to possible murders. But let me focus on Michael Lerner's performance, now that we just lost him: nothing short of fascinating. A very well deserved Oscar nomination - Goodman should have bagged one also - as a larger-than-life studio executive as charismatic and arrogant as vulnerable and disorientated. Lerner conveys all the pressures of this ruthless industry, showcasing a range of emotions in an always exotic and unpredictable way. Haven't checked his entire filmography (yet), but hardly any other movie has allowed him to shine as much as he did here with just a couple of scenes. RIP Michael.