O que é um crítico de cinema e qual o seu papel na era da informação instantânea? Duas questões, entre muitas outras, que têm sido alvo de investigações e estudos minuciosos além fronteiras, mas que parecem passar despercebidas em Portugal, onde o desprezo e a desconsideração pela geração “internet” prevalece sobre as alterações profundas que esta questão provocou nos media norte-americanos. A verdade indesmentível é que, ano após ano, torna-se cada vez mais improvável que apareça algum jovem talento que faça da crítica de cinema a sua profissão, recebendo dividendos financeiros de tal paixão.
Mas o que diferencia então o assim chamado crítico profissional de cinema do analista amador que executa exactamente as mesmas tarefas para um blogue ou para um site especializado, sem as mordomias – que é como quem diz, visionamentos de imprensa ou material exclusivo das distribuidoras – destes e, em muitos casos, sem as mínimas condições para tal? Ninguém duvida, mesmo entre os mais velhos tubarões cinematográficos nacionais, que facilmente se encontram na blogosfera nacional internautas que escrevem e pensam a sétima arte de modo tão ou mais interessante do que estes últimos. Mesmo que não o reconheçam, como é costume.
Com a Internet, o crítico de cinema tradicional perdeu, um pouco por todo o lado, o seu estatuto divino. A sua opinião deixou de ser elitista – apesar de a personalidade em si ainda o ser -, para ser apenas mais uma entre milhares. O poder passou, justamente, de quem escreve para quem lê. Com a infinidade de opiniões sobre uma mesma obra à distância de um clique, o cinéfilo ou mero leitor curioso pode agora escolher aqueles em quem confiar. A credibilidade, o crédito e a confiança é dada pelo receptor, maioritariamente na base da comparação artística entre a sua opinião e a do transmissor. O background do crítico tradicional, certamente especializado na área, com provas dadas no ramo, deixa de ser um trunfo de fogo. Aliás, acaba por se tornar num feitiço perigoso para o feiticeiro. Isto porque o profundo conhecimento leva-o a dispersar-se nos seus julgamentos, levando a que o cinéfilo de ocasião não se identifique – ou não compreenda – a análise. E hoje, num período onde a desinformação prepondera sobre a informação, é mais importante saber do que se escreve do que escrever o que se sabe.
Várias outras questões relacionadas com este tema podem ser levantadas, neste momento, em Portugal. Para quando uma Associação Nacional de Críticos de Cinema, num país onde até existe uma entidade semelhante, para os críticos de Teatro? Num continente onde cada outra nação da União Europeia tem a sua? Um indicador cultural, como tantos outros – de repente, passa-me pela cabeça as inúmeras revistas de caça e pesca que existem contra uma única de cinema -, que indica que algo está mal nesta terra plantada à beira-mar. E nem me atrevo a questionar a razão pela qual a crítica de cinema profissional em Portugal é um ramo dominado quase exclusivamente pelo sexo masculino (quando nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 39% dos freelancers especializados em cinema são do sexo feminino e o rácio de críticas entre géneros é de 14 para 9).
Mas porquê tanta conversa? Será o crítico de cinema assim tão importante? Qual a credibilidade de uma esfera de opinião que considerou, na altura de estreia de Metropolis, de Fritz Lang, Blade Runner de Ridley Scott, Psycho de Hitchcock e Peeping Tom, de Michael Powell, apenas para citar alguns, filmes banais como tantos outros, mas que agora os tomam como obras-de-arte? Qual a influência de uma classe que, mesmo quando estrangula blockbusters como Homem-Aranha 3 ou o mais recente capítulo do herói clássico Indiana Jones, não retira qualquer espectador da sala de cinema, sendo prova disso os valores de bilheteira alcançados por ambos? Ou que, quando aplaude de pé uma obra como Grindhouse, não impede que a mesma passe despercebida nas salas de cinema norte-americanas? Independentemente do nosso juízo sobre a matéria, a única certeza que existe é que um bom crítico de cinema diz-nos muito mais sobre um filme do que um “gostei” ou “não gostei”. Sem complicar, mas também sem cair em facilitismos básicos, o crítico de cinema deve oferecer ao leitor um contexto de análise único a uma determinada obra, de forma inteligente e com uma perspectiva única, permitindo a este decidir se quer visionar, ou não, o filme em questão. Sem dogmas nem análises indiscutíveis. No debate cinematográfico, o que é a razão? E o que é a verdade?
Artigo publicado na edição de Novembro na Take Cinema Magazine