sábado, dezembro 29, 2007

I am Legend (2007)

"Naqueles dias nublados, Robert Neville não tinha nunca a certeza de quando o Sol se punha, e, muitas vezes eles já estavam nas ruas antes de ele conseguir voltar. Se tivesse sido mais lógico, teria conseguido calcular, aproximadamente, quando chegariam; no entanto ainda se regia pelo velho hábito de adivinhar a chegada da noite olhando o céu, e naqueles dias cheios de nuvens esse método não funcionava. Por causa disso ficava em casa nesses dias. De cigarro pendurado ao canto da boca, dava voltas à casa na penumbra lenta da tarde, soprando fumo por cima do ombro. Verificou todas as janelas para ver se algum dos painéis de madeira estava solto. Depois de ataques violentos as tábuas estavam normalmente rachadas ou totalmente arrancadas (...)".

Assim começa aquele que foi considerado por muitos, entre os quais o lendário Stephen King, como o Melhor Livro de Terror do século XX. Escrito por Richard Matheson em 1964, "I am Legend" é, na sua faceta literária, uma obra sobre um mundo infestado de vampiros, onde as cabeças de alho ainda eram a melhor arma possível para Robert Neville, o último Homem à face da terra. Contextualizado num futuro muito próximo, a adaptação cinematográfica de Francis Lawrence - realizador do não mais do que interessante "Constantine" - converte os alhos numa metralhadora, transforma o vinil de Beethoven num cd de Bob Marley e dissimula os vampiros de Matheson em mutantes derivados de uma cura falhada para o cancro, moldando e modernizando quase todos os elementos primários e secundários da composição literária de culto.

E por mais admirável e curioso que possa parecer, "I am Legend" triunfa devido... à sua simplicidade. Simplicidade de mecanismos de acção, que permitem uma certa naturalidade dramática à trágica condição humana que Neville (Will Smith), a única e última esperança da humanidade, enfrenta. Apesar do leve e requintado toque de humor, Lawrence leva a sério o conceito de extinção de uma espécie, neste caso, a nossa, nunca permitindo que a acção ultrapasse essa representação, servindo-se do "fogo-de-artifício" apenas para aprofundar e abordar os mais diferentes níveis científico-religiosos da questão. E não fica por aí: ao criar uma forte ligação subordinada entre Samantha, a cachorra de Neville - que, diga-se de passagem, está para Smith, como a bola Wilson esteve para Hanks em "Cast Away" - e a sanidade mental do herói, o realizador acaba por atingir matérias sociais e afectivas. Tudo, sem grandes manhas ou manias.

Onde foi gasto, então, o amplo e generoso - para ser simpático - orçamento de "Eu Sou a Lenda"? A resposta é fácil: na construção gráfica dos mutantes e nos cenários desoladores de uma Nova Iorque desamparada em ruínas, que ao longo do filme é confrontada com recordações dos seus irrevogáveis instantes finais de vida, quando Neville relembra os últimos minutos que passou com a família. Estamos, portanto, perante um imponente filme, correcto? Errado. Todas as cartas de trunfo previamente explanadas esgotaram-se na primeira hora, deixando os últimos trinta minutos de fita à mercê da leviandade do costume de quem precisa de satisfazer gregos e troianos, miúdos e graúdos, salvar o mundo e justificar o título de herói. E assim, aquele que poderia ter sido um dos retratos psicológicos de culto mais bem conseguidos dos últimos anos, acaba por se converter de forma masoquista em apenas mais um blockbuster de acção para massas. Mas terminando como qualquer adepto benfiquista que se preze... "para a próxima é que é!".

18 comentários:

Anónimo disse...

Um filme de qualidade superior que aborda um dos principais temas da actualidade, alterações genéticas.
Quando se consegue compreender a história não se deixa de pensar que o HIV que degenera o corpo e é altamente contagioso, em vez do efeito que produz, poderia muito bem fortalecer incrivelmente os portadores e torna-los "raivosos", fazendo com que desçam ao mais baixo estado mental humano e transformar uma pessoa num predador sem agenda nem objectivo.
Acompanhado de uma solidão extrema, um combate que é menos físico e mais laboratorial, este filme conta com vários elementos que não estamos habituados a ver. Realismo, suspence genuíno, angustia e alucinação. Tudo isto mais uma vez regado com uma dose frenética de “quase realidade”.
Parabéns a Will Smith por mais um papel fantástico e à produtora dos efeitos especiais por criar uma cidade fantasma com a dimensão de Nova York

Anónimo disse...

Para mim, é um dos filmes do ano! Will Smith está um senhor actor! E quanto ao facto de ser um blockbuster...bom, penso que o filme não pretendia mesmo ser mais do que isso. Afinal, foi filmado pelo realizador do "Constantine"...

Abraços

Anónimo disse...

Tal como o anterior, para mim fica muito aquém do esperado, o Constatino continua sozinho.... e poucos olham para ele.

Carlos M. Reis disse...

CyberMaster, concordo com quase tudo, mas a um nível bem mais moderado. Se tudo o que afirma (suspense, angústia, alucinação etc...) tivesse sido tomado a um nível superior, sem outras preocupações, este teria sido um filme de culto. Mas a certa altura deixa tudo isso para trás e dedica-se ao final feliz. Uma pena! Cumprimentos!

Mário, quanto a Will Smith, não há dúvidas. Além de um grande actor, é modesto e não cai em grandes manias. Basta ver a última entrevista com o Mário Augusto para ver que é ele quem se levanta para cumprimentar e não o oposto. Ainda não esqueceu as suas raízes. Um abraço!

Nasp ;) Cumprimentos.

Anónimo disse...

sim, o will smith está cada x melhor. ainda não me esqueci do "Pursuit of HappYness"... mas o melhor do filme é mesmo a cadela! seja porque eu também tenho uma forte ligação com a minha, ou porque a simplicidade ainda é a melhor coisa do mundo, só por causa da cadela fartei-me de chorar num filme que é suposto fazer-nos dar pulos na cadeira (que também dei, claro).
só uma última nota: não achei os efeitos especiais nada de "especial"! acho até que já vi muito melhor em filmes menores. preferi o impacto de uma 5a avenida deserta e de um silêncio sepulcral só cortado pelo chilrear dos passarinhos. potente!

continuação do excelente trabalho e boas entradas em 2008!

ps- bruno/alvy: só pk os nossos vizinhos já não o são, não quer dizer k não nos possas fazer uma visita. o nuno/criswell está por lá durante alguns dias do mês e podíamos combinar um almoço...

Anónimo disse...

desculpem-me por ter aproveitado este espaço para convites pessoais... (des)vantagens das novas tecnologias!

Carlos M. Reis disse...

Cara Margarida, está completamente à vontade para convidar quem quer que seja usando este espaço, mas julgo que o convite ao Bruno seria mais eficaz se feito através do seu blogue, o Deuxieme (pode encontrar no menu lateral). Quanto aos efeitos especiais, completamente de acordo consigo, mesmo que tenha transmitido outra ideia. Agradeço os votos, desejo-lhe um 2008 em grande e que passe por cá mais vezes. Cumprimentos!

Anónimo disse...

O problema de qualquer adaptação é a inevitável comparação com a obra original, seja ela um livro, um jogo de vídeo, uma BD, outro filme, etc.

Eu não li o livro e, talvez muito devido a isso, gostei do filme. Quem leu o livro, não digo que todos mas a maioria, provavelmente não vão gostar. O mesmo acontece com outros filmes, principalmente, as adaptações das BD’s, as quais nunca tive por hábito ler, em que são muito criticadas quando existe um desvio da obra original, mas que, por vezes, para quem não leu as obras em questão, esse desvio resulta em termos de filme.

Achei uma boa história e bem interpretada. Fiquei boquiaberto ao ver ruas que há um mês percorri completamente desertas. Apenas não achei muito bem conseguidos os infectados.

brain-mixer disse...

Adorei o filme até ao último quarto de hora. Daí para o fim, só gostei. Mas já não adorei...

(E uma Avenida da República totalmente deserta, hem? Também não custava muito aos portugueses fazerem uma coisa do género ehehehh)

Carlos M. Reis disse...

ZB, nesse aspecto tens toda a razão. Esse será sempre um aspecto a considerar numa análise geral à reacção do público e da crítica. Eu confesso que tenho o livro aqui por casa, mas nem sequer me pertence. Nunca passei do quarto ou quinto capítulo por preguiça, mas isso bastou-me para ver as diferenças. Nunca vi sequer as duas outras adaptações cinematográficas que lhe precederam. No entanto, o final que I am Legend, o filme, arranja seria tão previsível e pipoqueiro em papel como o foi na tela. De resto, tudo de acordo. Um forte forte abraço ZB!

Edgar, concordas comigo portanto ;) Quanto à Avenida da República, acho que isso dava um bom post no teu cantinho ;) Um forte abraço!

Anónimo disse...

Eu gostei bastante do filme e penso até que foge ao normal e previsivel final feliz, sem querer entrar em qualquer tipo de spoiler, o filme até tem uma carga dramática bastante forte e raros momentos de "relax", que os blockbusters costumam ter, para desanuviar... O unico senão é que talvez acabe depressa demais.

Caro Knoxville, que final propunhas para o filme? Abraços, justbond ;)

Ah, optimo 2008 e continuação de bom "trabalho" !!

Carlos M. Reis disse...

SPOILERS ALERT!

Grande e Velho Compadre Justbond,

Antes de mais, um 2008 em grande! Quanto ao final, torço sempre para que dê tudo para o torto, aconteça algo completamente inesperado e fique de boca aberta. Ou seja: muito provavelmente seria as personagens principais morrerem todas (mãe, filho e Dr), começar a transmitir a ideia de que a humanidade havia sido extinta, com alguns planos tramados e... quando ninguém esperava, passar a imagem sobre aquele forte no final e vermos lá uma dezena de humanos.

O problema é que, da maneira que as coisas seguiram no final do filme, acabou por ser algo previsível, sem chocar o espectador ou colocá-lo num lugar incómodo.

Um forte abraço Testa Loira!

Anónimo disse...

then I said to HER: am I... a vampire?
and SHE replied: 'remove your attire
or you won't never, never be My Sire!'

* one that flew over the cuckoo's nest
but still a man... honest!

Carlos M. Reis disse...

:)

Flying Dutchman disse...

Até gostei do filme, mas estava à espera de mais...
Claro que uma pessoa vai para o cinema preparado para certas improbabilidades, mas (sou fanatico por avioes) ver um Lokheed SR-117 estacionado num porta-avioes foi demais para mim!
[para os interessados: trata-se do aviao mais rápido do mundo, concebido durante a guerra fria. Já so restam 3 exemplares capazes de voar, e esta aeronave nao teria qualquer utilidade na catástrofe da história do filme]
De resto até gostei do conceito aboradado, mas concordo com o final alternativo proposto pelo knox, teria muito mais impacto!
Um abraço

Carlos M. Reis disse...

Curiosidade interessante essa, caro Dutch. Tou a ver que vou ter que fazer algo sobre o Top Gun para aprender mais algumas coisas com os teus comentários ;) Um grande abraço!

Flying Dutchman disse...

pois talvez era interessante! =D
teria de revisionar o filme, porque so me lembro que ele pilota um F-14 e os inimigos andam em MiG's e mais nada de especifico =P
Um Grande Abraço

Carlos M. Reis disse...

;) Um grande abraço!

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