terça-feira, abril 28, 2009

Gran Torino (2008)

Vivemos numa geração cagarolas, onde todos se acostumaram a dizer, “Bem, como é que vamos lidar psicologicamente com esta situação?”. No meu tempo, simplesmente retribuíamos com uns socos ao rufia que nos chateava. Mesmo que fosse mais velho e suficientemente forte para dar cabo de nós, ele respeitava-nos por termos coragem para lutar com ele e deixava-nos em paz dali em diante. Não sei quando é que esta geração cagarolas principiou. Talvez quando as pessoas começaram a pensar em demasia sobre o significado da vida.”. Foi assim, no seu estilo matreiro e fadista, que Clint Eastwood definiu o buraco geracional que existe na genealogia norte-americana. Em “Gran Torino”, um filme cuja premissa modesta e vulgar sobre essas diferenças geracionais – e culturais – é alvo de um majestoso trabalho de humanização e personalização quase autobiográfica da mutação dos valores morais de Eastwood ao longo, não só da sua vida, mas também das suas personagens cinematográficas, sempre desfocadas do retrato das suas diversas épocas, fica provado que tanto o Clint realizador, como o Eastwood actor continuam, quase a chegar à fasquia dos oitenta, no apogeu das suas capacidades.

Tão divertido – o processo de masculinização de Thao é hilariante - como comovente, “Gran Torino” narra uma história que, apesar de não ter como ponto de partida um conto verídico, é certamente adequada à vida de milhões de estrangeirados, um pouco por todo o planeta. Com uma visão atroz, mas de desfecho optimista, a obra mais recente do assumidamente republicano ícone norte-americano pega em Walt Kowalski, um herói medalhado da Guerra da Coreia – guerra violenta e sangrenta que marcou a sua personalidade - que acabou de enviuvar, e cujas bases tradicionais fazem com que olhe desconfiado para uma América que não considera ser a sua. O estilo de vida e o carácter da sua própria família envergonha-o e, solitário num mundo onde parece não ter mais nada a fazer que não esperar pela morte, acaba por entrar numa encruzilhada racial que envolverá todos os valores centrais do seu cinema: a liberdade, a solidão, o envelhecimento, a amizade, a morte, a violência, a amargura, o patriotismo, o choque de culturas, entre tantos outros.

E é num constante jogo de antíteses, que envolve os próprios personagens principais – veja-se o contraste entre o velho carrancudo consciente do seu papel no mundo e o jovem inadaptado à procura de um lugar melhor – que Clint Eastwood afirma uma vez mais o seu refinado estilo de realização, numa verdadeira prosa que usa a luz e a ausência dela como eufemismos, transmitindo de uma forma suave uma realidade desagradável. E é durante a noite, aquela que uma vez classificou como opressiva, que Eastwood nos oferece o seu canto de cisne dramatúrgico. Sem cair nas armadilhas de um final feliz, Clint resume em poucos minutos uma vida enquanto homem e actor, cowboy e justiceiro de rua, num acto de redenção capaz de arrancar uma lágrima ao mais insensível dos espectadores. Numa das mais belas – senão mesmo a mais bela – despedida cinematográfica de um actor, somos ainda presenteados com uma canção sumptuosa interpretada pela voz cansada e inconfundível de Eastwood, que sobre um plano alegórico de uma estrada sem fim, enternece o público e deixa-o a pensar no vazio que fica na sétima Arte agora que um dos seus mais brilhantes defensores e artistas a abandona parcialmente.

Incompreensivelmente esquecido e abandonado pela Academia norte-americana – circulou o rumor que tal se deveu à estreia tardia nos Estados Unidos, algo que nunca foi confirmado pela distribuidora do filme ou pela própria Academia -, “Gran Torino” era um dos favoritos às nomeações por quase toda a imprensa norte-americana. Perdeu esse combate – digo eu que tal deveu-se às questões raciais que o filme levanta - mas tornou-se, talvez também de forma algo inesperada, no filme mais lucrativo da carreira de Clint Eastwood, tendo ultrapassado já os cerca de 140 milhões de dólares apenas na box-office norte-americana. Mais inteligente, dramático, divertido e liberal do que qualquer cinéfilo poderia antever, até pelos antecedentes republicanos de Eastwood, “Gran Torino” é o melhor filme americano desta década, uma das mais contundentes provas de que o cinema, mesmo através de temas repetidos e deteriorados, consegue reinventar-se a si próprio, transformando em magia a mais comum das narrativas. Num estilo contido e recatado, Eastwood orquestra uma obra-prima que será, quando a poeira assentar, certamente considerado um dos mais belos quadros da filmografia do cineasta e da história de Hollywood.

7 comentários:

abidos disse...

Gostei bastante, mas creio que a razão para o esquecimento da Academia, foram os actores secundários...

Para apreciar o filme não basta ler a legendagem, é obrigatório entender o calão 'ofensivo', é simplesmente delicioso...!!!

Só o 'Rosnar' do Clint, merecia o Oscar...!!!

F. disse...

O filme de 2008.

margarida pitt disse...

concordo com tudo!
é, de facto, uma obra-prima. e é, sem dúvida, um dos meus filmes preferidos de todo o sempre. adorei este filme, é simples mas é brutal. e sim, o rosnar do clint eastwood vale por muitas deixas memoráveis.

Nuno Pereira disse...

Clint é um velho bem rabugento neste filme....

um filme obrigatorio que juntamente com o Mystic River são as duas obras surpremas realizadas pelo Clint... na minha opinião claro.

André Siqueira disse...

Gosto de filmes de Clint Eastwood. Ele é um bom ator e ótimo diretor.

Abraços

Ass.: André Siqueira - Milha Turva

Unknown disse...

A questão é que não consigo atribuir a pontuação máxima face a um elenco secundário tão fraco. Estamos perante um suporte muito fraco a Esatwood que é ainda mais acentuado tendo em conta a presença do mito em frente ao ecrã. Não se pedia grandes actrizes mas estou-me a recordar, por exemplo, da rapariga assassina de Kill Bill e Batlle Royale que poderia, perfeitamente, encaixar ao lado do mito.

Abraço

Carlos M. Reis disse...

Fifeco, parte da magia poderá estar ai. Eastwood sozinho consegue levar o filme às costas. Não precisa de coadjuvantes de luxo ou de um vilão ou vilões de excelência. Tudo é banal - até a história - e, no entanto, que obra magnífica. E são assim as obras-de-arte. Funcionam por caminhos misteriosos.

Para mim, e como disse na análise, é o meu filme de eleição desta década e, porventura, um dos meus cinco/dez favoritos de sempre. Fenomenal.

Obrigado a todos pela visita e pela participação ;)

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