Através da sua faceta controversa de animal selvagem, dentro e fora dos ringues, Mike Tyson tornou-se um ícone da cultura pop e desportiva dos anos noventa. Sumariamente, o feroz “Iron Mike” ficou conhecido por oscilar bipolarmente entre os momentos públicos obscuros, violentos e trágicos e os discursos de derrota com estranho fair-play ou promessas de amor com improvável doçura. Marcado pelas suas origens – aos doze anos já estava detido num centro juvenil e tinha visto amigos morrer às custas de assaltos mal sucedidos ou por consumo irresponsável de drogas e álcool -, “Tyson”, o documentário, oferece-nos o retrato de uma vida polémica. Infelizmente, o nova-iorquino James Toback demonstra uma incompetência assaz e, ao invés de explorar o anti-herói, deixa-o auto-destruir-se através de uma narração absurda, espaçada – para não dizer tartamuda – e ilustrativa da decadência cerebral de Tyson.
A descredibilização do mito não fica por aí. Todas as imagens e falas do presente são autênticos tiros nos pés, contrariando a mensagem que a articulação com imagens de arquivo pretende passar – a de um homem mudado, arrependido de todo o mal que fez (e não foi pouco). Assim, o que há para elevar – o desportista fantástico – é inferiorizado pelo mal que Tyson fez ao mundo. E se provas não faltam para tal – dos três anos que esteve preso por violação aos constantes abusos a outros mulheres -, não é dada uma única pista real em relação ao tão proferido arrependimento.
A nível técnico, também “Tyson” é uma catástrofe. A sobreposição de vozes e imagens da entrevista actual é absurda e a montagem um fiasco. A única construção bem elaborada durante quase hora e meia de fita é a da relação de Tyson com o seu primeiro treinador, Cus D'Amato, realmente sentimental e demonstrativa da sua importância e influência para o nascimento de um mito. De resto, a única mensagem que realmente passa é a de que Mike Tyson é um convencido de primeira, rude e mal-educado, que considerava trair as suas mulheres algo natural dado o seu estatuto de estrela – eram, passo a citar, “actividades extra-curriculares” –, mas também a de um ignorante de primeira, que considera Istambul um país. Por vezes, garantir a intemporalidade um ícone desportivo ou geracional passa por não fazer nada. Simplesmente deixar que o misticismo que o envolve trate do assunto. Toback fez o contrário e pode muito bem ter aniquilado para muitos o mistério de um ser supremo da história do boxe. Longe ou não da fama, neste momento Evander Holyfield deve estar com um sorriso de orelha a semi-orelha – para um mau documentário, nada melhor que uma piada de mau gosto.
2 comentários:
Não sei se já viste, mas deixo uma recomendação,
http://www.imdb.com/title/tt1330059/
Ainda não vi, mas também não esperava muito.
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