Muitos são os protagonistas do cinema americano e mundial que dispensam duplos, já que fazem por sua conta e risco as cenas mais arriscadas e complicadas dos seus filmes. Charlie Chaplin e Buster Keaton foram alguns dos nomes mais conceituados a fazê-lo primeiro. No entanto, rapidamente a indústria limitou essa liberdade a todos os que gostavam de se aventurar: a maior parte deles eram pouco atléticos e os seus seguros elevadíssimos. Os riscos de algo correr mal e todo o projecto ficar pendurado por uma lesão – ou até algo mais grave – de uma das estrelas não justificava nem permitia mania nenhuma. Ainda hoje, essa “regra invisível” aplica-se. No entanto, há quem recuse proeminentemente ser substituído por um duplo, por casmurrice ou simplesmente para agradar aos fãs, e tenha criado grande parte da sua fama à volta disso. Entre eles, o insubstituível e inimitável Jackie Chan, Igor Breakenback ou Phanon Yeerum, especialista em Muay Thai. Entre as grandes estrelas de Hollywood, especial destaque para Tom Cruise e Viggo Mortensen, clientes habituais de algumas das cenas mais arriscadas dos seus filmes.
Segundo dados que circulam em sites da especialidade na internet, cerca de metade dos filmes que usam duplos acabam com pelo menos lesões para um dos profissionais envolvidos. A média de mortes é de 5 para cada 2.000 profissionais que sofrem lesões. Há estatísticas que demonstram que entre 1980 e 1990, morreram 37 profissionais em acidentes durante filmagens. Dessas 37 mortes, 24 estavam relacionadas com cenas de helicópteros.
O primeiro duplo a falecer durante as gravações de um filme foi Ormer Locklear, em 1920, quando pilotava um avião no filme “The Skywayman”. Em 1928, nas filmagens de “Noah’s Ark”, vários foram os que morreram – entre outros tantos feridos graves, que resultaram na imputação de pernas – numa cena que envolvia várias centenas de duplos a serem “apanhados” pela grande enchente. Foi resultado desta tragédia que em 1929 foram introduzidas várias regras de segurança em Hollywood.
No clássico “The Wizard of Oz”, no final da década de 30, a actriz Margaret Hamilton ficou gravemente queimada durante uma cena de incêndio. Um atraso na abertura de uma porta escondida no cenário fez com que Margaret e a sua dupla fossem parar ao hospital em péssimo estado. Na década de 60, o duplo Paul Mantz faleceu quando o avião que dá nome ao filme “The Flight of the Phoenix” falhou o local de aterragem previsto e chocou contra uma duna. Em 1979, nas filmagens de “Steel”, o conceituado duplo A.J. Bakunas também faleceu quando um salto de um prédio em construção, com 91 metros de altura, saiu furado. Literalmente. O airbag que aparava a queda rebentou com o impacto e Bakunas teve morte imediata.
Mas seria a década de 80 a mais terrível na história da profissão. Logo no início, uma tragédia ainda hoje relembrada marcou a história de “Twilight Zone: The Movie”: numa sequência realizada por John Landis, a 23 de Julho de 1982, o actor Vic Morrow e as jovens estrelas My-Ca Dinh Le e Renee Shin- Yi Chen, com sete e seis anos respectivamente, morreram num acidente que envolvia um helicóptero em estúdio. Sem ninguém estar à espera, perdeu-se o controlo sobre a máquina e as hélices decapitaram a cabeça de Morrow e de uma das crianças. A outra criança morreu esmagada pelo helicóptero. Em 1984, a legendária dupla Heidi van Beltz ficou paraplégica depois de um acidente de carro mal planeado, nas filmagens de “Cannonball Run II”. Dois anos passados, foi o duplo e piloto Art Scholl que faleceu num acidente de avião em “Top Gun”, filme que popularizou um Tom Cruise em início de carreira.
Nem o mítico Jackie Chan escapou a um grande susto. Nesse mesmo ano, em “Armour of God”, Chan caiu inesperadamente de uma janela a 5 metros de altura. Nada de muito grave, não tivesse caído sobre a sua cabeça. Parte do cérebro ficou à vista e só depois de oito horas de cirurgia é que o actor e duplo ficou fora de perigo. Desde esse dia, que Chan não ouve de um dos ouvidos e tem uma protecção de plástico interna a revestir parte do cérebro.
Mas a mais famosa das tragédias em rodagem aconteceu em 1993. Uma pistola que deveria conter apenas cartuxos vazios foi disparada na direcção do actor principal, então fenómeno, Brandon Lee. Uma bala real encravada no cano da pistola foi disparada juntamente com o cartuxo vazio, provocando a morte do actor, que faleceu a caminho do hospital.
Os duplos em Hollywood são vistos actualmente como os patinhos feios da indústria. A Academia Norte-Americana de Artes e Ciências Cinematográficas recusou até hoje, por várias vezes, a criação de uma categoria para “Best Stunts” nos Óscares. Os seus salários são absurdamente reduzidos quando comparados aos dos que dão a cara. Felizmente, e tendo noção de tamanha injustiça, apareceu em 2001 o “World Stunt Awards”, organizado pela Taurus World Stunt Academy, uma associação constituída por mais de 1500 empresas dedicadas em exclusivo ao stuntworking. Além do “Lifetime Achievement”, o galardão mais especial da cerimónia, são distinguidas ainda outras oito categorias: Best Fight, Best Fire Stunt, Best High Work, Best Overall Stunt by a Stunt Man, Best Overall Stunt by a Stunt Woman, Best Speciality Stunt, Best Work with a Vehicle e Best Stunt Coordinator.
Continua...
Artigo publicado na Take 17.
2 comentários:
Muito interessante. É demasiado fácil esquecermos que por detrás de cenas espectaculares estão pessoas a arriscar a vida. Tenho alguma ambivalência em relação aos efeitos gerados por computador. Se por um lado, vai permitir a criação de cenas sem qualquer perigo para os participantes por outro pode deixar muito boa gente no desemprego. No entanto, o efeito não é tão realista como se tivesse sido efectuado com duplos.
:) Nem mais. Cumprimentos, obrigado pela visita e pelo comentário.
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