Século XIX, algures nos longos descampados do Texas: King Schultz (Waltz) é um caçador de recompensas germânico à procura de um escravo negro de seu nome Django (Foxx), não para o matar, mas para o comprar e assim torná-lo num homem livre em troca de informações relacionadas com um trio de irmãos que, vivos ou mortos, valem uma fortuna. Posteriormente treinado e ensinado por Schultz para sobreviver enquanto caçador de recompensas, Django sente-se preparado para procurar a sua esposa Broomhilda (Washington), de quem perdera o rasto após uma tentativa falhada de fuga dos seus antigos "donos". Será na plantação do poderoso Calvin Candie (DiCaprio) que a encontrará; mas o mais difícil ainda o espera, ou não fosse o seu resgate revelar-se uma negociação perigosa e armadilhada para todas as partes, onde preconceito racial e ganância exacerbada podem originar um banho de sangue interminável.
Escrito e realizado por Quentin Tarantino, "Django Unchained" é uma comédia negra em formato de Western Spaghetti ao bom estilo vingativo e violento com que o realizador norte-americano gosta de pulverizar os seus trabalhos. Num mesmo patamar para o período negro da escravatura nos Estados Unidos da América que o seu recente "Inglourious Basterds" estava para a influência do nazismo na Europa durante as primeiras Grandes Guerras Mundiais, Tarantino oferece ao espectador uma visão propositadamente facciosa e surreal da História, usando os seus desejos, ideais e convicções para moldar períodos chave da Humanidade ao seu gosto, orquestrando alternativas narrativas impensáveis para cada um desses acontecimentos marcantes.
Ainda assim, e mesmo consagrando-se como um muito competente e original produto de entretenimento para massas, "Django Libertado" é inferior a vários níveis a "Sacanas Sem Lei", começando pela falta de profundidade que é dada a Django a partir do segundo terço da fita, deixando-o ao alento de uma interpretação não mais do que decente de Jamie Foxx quando comparada à de actores (Waltz, DiCaprio ou Jackson, por exemplo) cujas personagens foram aproveitadas até ao limite das suas capacidades. À parte de uma lição filosófica freudiana sobre o bem e o mal, não acompanhamos a transformação de Django de escravo a pistoleiro, de analfabeto inseguro a líder convicto, tendo-se perdido essa dimensão extra da sua personagem numas fatídicas letras que anunciaram no ecrã "vários meses depois". Num exercício de classicismo tarantinesco, onde uma cinematografia de excepção é conjugada de forma magistral com uma sonoplastia tão ecléctica quanto hipnotizante, "Django Unchained" satisfaz o espectador menos pudico na forma como as suas contradições entre sacrifícios e sobrevivência, os seus hábeis diálogos - principalmente nos primeiros quarenta a cinquenta minutos - e o seu humor satírico misturam-se num cocktail vingativo e sangrento onde poucos ou nenhuns escapam à ousadia do mestre - nem sequer os desconfortáveis capuzes brancos dos Ku Klux Klan.
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