Giulio Andreotti, sete vezes Primeiro-Ministro italiano, oito vezes Ministro da Defesa e cinco vezes responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros, entre muitos outros cargos que ocupou durante cerca de cinquenta anos de actividade partidária. Sem dúvida alguma uma das figuras políticas mais importantes e controversas do pós-Guerra em Itália, o "divino" é relembrado agora após o seu falecimento pelo seu sentido de humor e carisma, mas também pelas acusações e suspeitas de ligações à Máfia e a diversos crimes cometidos em prol de uma governabilidade sustentável. "Il divo", realizado pelo excêntrico Paolo Sorrentino, recria em tom satírico-biográfico o seu sétimo e último mandato enquanto Primeiro-Ministro, aquele em que enfrentou a justiça, perdeu a eleição a Presidente da República de forma contundente e viu a sua credibilidade ser totalmente devastada pela imprensa e pelo Senado.
Vencedor do Prémio do Júri no Festival de Cannes de 2008, "Il Divo - A Vida Espectacular de Giulio Andreotti" condensa o bem e o mal de uma personalidade singular num retrato de estilo caricato, que arranca em dificuldade - muitas personagens e demasiados simbolismos dificultam a compreensão do contexto e da narrativa a quem é apresentado pela primeira vez a todo este "circo" sociopolítico - mas termina em beleza, com magníficos diálogos - destaque para o duelo entre o fruto do acaso e a vontade de Deus -, provocações ao espectador e várias zonas cinzentas na história de um Homem cujo poder se alimentava na sombra. Sorrentino brinca com os planos e com a respectiva sonoplastia, toma partido em enigmas ainda hoje factualmente misteriosos - como o encontro d'O Papa Negro com "A Besta" - e choca o espectador contrariando imagens a desmentidos verbais. Andreotti acaba por servir a Sorrentino enquanto espelho ustório de uma Itália cujo sistema político continua autista, fechado em si próprio, acima da justiça e dos tribunais; prova disso mesmo foi Andreotti, condenado posteriormente aos acontecimentos relatados no filme a mais de vinte anos de prisão pelo envolvimento com a Máfia em vários crimes, mas que acabaria no entanto por ver a sua sentença ser anulada pelo Senado, que o considerou intocável. Destaque final para o papelão de Toni Servillo, napolitano cuja carreira neste género criminal tem-se revelado intocável.
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