“A Clockwork Orange” teve estreia absoluta no Reino Unido em Janeiro de 1972. Milhares queriam ver a produção mais recente do mestre de todos os géneros. Pois bem, primeira polémica: ditaram as autoridades competentes pela sua distribuição o confinamento a uma única sala de cinema, a Warner West End, em Londres, onde esteve isolado durante mais de um ano. E foi quando, finalmente, o burburinho de incompreensão geral começou a dissipar-se, que a fita ficou disponível para dezenas de outros cinemas. Pois bem, novamente nas bocas do mundo, começou então a grande campanha de ódio dos tablóides ingleses em relação aos efeitos do filme nos adolescentes, campanha essa que tomou proporções devastadoras e levou à sua proibição durante quase três décadas.
Culpado nos media por quase todos os actos de violência cometidos no Reino Unido entre 1972 e 1973, tivessem ou não os criminosos sequer conhecimento da existência do filme, a situação chegou a um ponto em que foi o próprio Kubrick que pediu à Warner Brothers que removesse o seu mais recente trabalho de forma definitiva das salas de cinema britânicas. Na altura, muitos não deram sequer conta disso, pensando que a sua exibição teria naturalmente acabado após 61 semanas de sobrevivência. Só passado sete anos, quando a prestigiada “National Film Theatre” dedicou uma retrospectiva à carreira de Kubrick e omitiu a existência de “Laranja Mecânica” na filmografia do realizador, é que se percebeu que além do pedido de Kubrick, o filme tinha também sido banido pela British Board of Film Censors. E assim permaneceu até ao novo milénio, não tenho sido comercializado em VHS/DVD ou passado em nenhum canal de televisão britânico até Março de 2000.
Indignados com a censura cultural, muitos foram os casos em que os tribunais tiveram que agir. Os mais conhecidos foram o do cinema Scala em King’s Cross, que exibindo o filme de forma ilegal, foi processado de forma financeiramente severa, o que acabou por levar ao seu encerramento alguns meses depois. Outro caso famoso, mas em que a justiça inglesa acabou por decidir a favor do réu, foi a exibição de um documentário em 1993 intitulado “O Fruto Proibido” por parte do Channel Four, em que a estação britânica mostrou várias cenas completas de “Laranja Mecânica”.
Mas porquê este celeuma, esta atenção exagerada a qualquer referência a uma obra que até tinha sido nomeada para um óscar de Melhor Filme pela conceituada Academia de Hollywood? Considerada pelas autoridades britânicas como um filme que incentivava à violência física e sexual extrema, ocorreram três julgamentos aos quais a comunicação social inglesa deu especial relevo e aos quais “A Clockwork Orange” não passou incólume. Em Março de 1972, um jovem de catorze anos acusado do assassinato de um colega de turma, admitiu que o visionamento do filme tinha tido uma relevância macabra nos seus actos; posteriormente, o assassinato de um idoso por um adolescente de dezasseis anos foi considerado uma restituição de uma das cenas icónicas do filme; e, por fim, a violação grupal a uma rapariga enquanto os agressores cantavam “Singin’ in the Rain” não deixou dúvidas da relação do crime com a obra de Kubrick. Estes três casos, entre muitos outros, explicam o ataque dos media de então a “Laranja Mecânica” e a razão pela qual foi banido do Reino Unido até depois da morte do seu criador cinematográfico.
E porque teria este, por sua iniciativa, pedido à Warner Brothers para retirar o filme dos cinemas? Christiane Kubrick, viúva do realizador, esclareceu a dúvida recentemente, afirmando que o marido e a sua família receberam inúmeras ameaças e começaram a ter vários protestantes à porta de sua casa – Kubrick, apesar de ser norte-americano, viveu grande parte da sua vida no Reino Unido -, o que fez com que a polícia local quase que o obrigasse a tomar essa decisão, para sua segurança. “Ele sentiu-se artisticamente magoado, mas também estava muito assustado. Nunca quis ser mal interpretado, mas também queria acabar com as ameaças de morte à sua família, aos seus filhos. Queríamos continuar a viver em Inglaterra, logo…”, afirmou Christiane. E assim desvendou-se o enigma por detrás de um dos tabus cinematográficos e sociológicos mais controversos da carreira e vida de Kubrick.
Nota: Artigo publicado originalmente na Take 35 - Kubrick.
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