sábado, fevereiro 08, 2014

O dia em que Jay Leno apontou-me o dedo.


Jay Leno despediu-se esta semana do "The Tonight Show" da NBC, o talk-show televisivo de maior sucesso na história da televisão norte-americana, no ar desde 1954 e no qual Johnny Carson (1962–1992) tornou-se uma lenda. Vinte e dois anos depois de substituir Carson, Leno, de 63 anos, dá o lugar a Jimmy Fallon, de 39. As audiências falam mais alto e Leno percebeu que, mesmo não lhe apetecendo muito, o melhor era sair pela porta grande por iniciativa própria, evitando assim mais uma polémica como a que aconteceu em 2009, quando cedeu o lugar durante alguns meses a Conan O'Brien.

A minha relação com Jay Leno foi tudo menos pacífica. De seguidor incondicional após a sua "estreia" na SIC Radical a principal defensor da Team CoCo na altura do seu conflito de horários com Conan O'Brien, foi um ápice. Em forma de protesto - e também por desinteresse -, deixei de o acompanhar. Até ao dia 27 de Fevereiro de 2012, um dia após "O Artista" ter ganho o Óscar para Melhor Filme, em que fui um dos duzentos e muitos, talvez trezentos e poucos, que fizeram parte da sua plateia nos estúdios da NBC em Los Angeles, num programa onde Leno contou com a presença de Michel Hazanavicius, vencedor do galardão para Melhor Realizador e da não tão escaldante ao vivo Megan Fox, na altura a promover qualquer coisa que, fiquei com a impressão, nem a própria sabia bem o que era.

As live-recodings começavam às 15:30, hora da costa ocidental norte-americana, cerca de trinta minutos antes do "The Tonight Show" ir para o ar na costa este. A razão dessa diferença de meia hora é simples: colocar os "piiiiisss" sobre eventuais palavrões que custam milhares à NBC em horário nobre, bem como ter margem de manobra suficiente para colmatar algum problema técnico com as filmagens ou com o som em estúdio. Tudo isso é explicado quando nos sentamos nos nossos lugares, todos eles escolhidos a dedo por assistentes de produção, que espalham homens e mulheres, jovens e idosos, bem-vestidos e mal-trapilhos, bonitos e feios de forma harmoniosa pela filas e pelos sectores, de modo a que aparecem quem querem com maior pormenor lá em casa. Escusado será dizer que, personagem completamente desinteressante que sou, fui parar à penúltima fila.

Mas vamos com calma: antes disso, três horas numa fila, sob um sol abrasador, para garantir a entrada. Os bilhetes são pré-reservados no site da NBC com alguns meses de antecedência, mas vendidos em overbooking de vinte a trinta porcento de modo a garantir que eventuais "no-shows" não deixam o estúdio com cadeiras vazias. Sendo semana dos Óscares, e estando presente tanta gente de fora na cidade, era quase certo que ninguém ia faltar. Logo, as entradas eram asseguradas por ordem de chegada. Fui o septuagésimo sétimo.

Lá dentro, é impressionante como tudo é muito mais pequeno do que parece na televisão. Da secretária de Leno ao palco musical, do estúdio ao próprio Jay Leno, percebe-se rapidamente que a televisão é uma grandessíssima aldrabona. No bom sentido. Faltava vinte minutos para começar quando Leno, ele próprio, aparece off-the-record para cumprimentar a audiência. De calças e camisa de ganga, mono-cor, com uns sapatos velhos. Sem maquilhagem. Vem agradecer a todos a presença no estúdio, arranca umas gargalhadas de ocasião com um pedido para nos rirmos durante o directo para ver se a NBC não corre com ele e lança uma pergunta para a plateia: quem veio de mais longe para o ver. "Japão", diz uma. "França", diz outro. "Suécia" grita uma loira. "Portugal", berro eu. "Portugal", diz Leno, apontando para mim. "Nice", murmura antes de passar para outro idiota qualquer nas bancadas. Um simples apontar de dedo e senti-me especial. Não é em todas as encarnações que uma estrela deste calibre nos aponta o dedo e dirige uma palavra. Literalmente, apenas uma.

E, de repente, esqueci-me do Conan, esqueci-me das polémicas, esqueci que o Craig Ferguson para mim era o melhor de todos, porra, esqueci-me até de olhar para as pernas da Megan Fox quando passou com uma equipa inteira de managers atrás. Naquele momento, o Jay Leno era o melhor do mundo. Tudo porque apontou-me o dedo. Daí para a frente, tornou-se tudo enevoado: lembro-me do divertidíssimo sketch de after-party dos Óscares, lembro-me de achar piada ao facto de, nos intervalos, tanto Leno como os convidados passarem o tempo todo a ler o guião do que vem a seguir, para não se esqueceram das piadas previamente combinadas e, acima de tudo, lembro-me de tirar uma fotografia com o simpático e humilde Hazanavicius. Mas o melhor ficou para o final e, ainda hoje, enquanto escrevo estas memórias da minha história com o homem que durante vinte e dois anos liderou as audiências dos talks-shows nos Estados Unidos da América, faz-me companhia: a caneca do "The Tonight Show". Usada apenas em momentos especiais. Como este. Até sempre Jay.

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