sábado, novembro 08, 2014

Bullets over Broadway (1994)


Regresso de Woody Allen à comédia pura depois de vários dramas e romances com o requinto humorístico único do realizador e guionista nova-iorquino, "Balas Sobre a Broadway" narra a história de David Shayne (John Cusack), um dramaturgo inexperiente da Broadway que procura maneira de arranjar financiamento para transformar o seu último guião numa peça de teatro. Quando um produtor amigo (o saudoso Jack Warden) avisa-lhe que a sua única esperança está em dar um dos papéis principais à namoradinha (Jennifer Tilly) histérica, inculta e arrogante de um dos mais temidos chefes da máfia da cidade (Joe Viterelli), David começa por se opôr mas, à falta de alternativa, aceita o negócio. E a sua vida pessoal e profissional nunca mais será a mesma.

Tudo o que se segue, dos diálogos deliciosos às reviravoltas tão simples quanto inesperadas da narrativa, é Woody Allen no seu melhor. Da outrora célebre e respeitada senhora do teatro que não passa agora de uma alcoólica com sede de fama, capaz de seduzir o homem/artista só para garantir o regresso às luzes dos holofotes, ao actor em dieta que começa os ensaios a beber água com limão e acaba a comer tudo e mais alguma coisa, de pernas de frango a biscoitos de cão, sem esquecer o encenador amigo (Rob Reiner) que, por não conseguir passar nada do papel para o palco, considera-se um autor de arte e não de hits, um verdadeiro filósofo que desafia o espectador com uma questão provocadora: se de um prédio em chamas apenas fosse possível salvar a última e única cópia conhecida de uma peça de Shakespeare ou a vida de um qualquer anónimo, o que faria o verdadeiro dramaturgo?

Mas o grande trunfo do filme de Allen, a carta que sai da manga do realizador e muda por completo o destino do jogo, é o guarda-costas grosseiro e implacável que acompanha a namorada do chefe mafioso nos ensaios, não só para assegurar a sua segurança das ameaças dos gangues adversários, como para garantir a relevância da pseudo-actriz na peça, a única condição do financiamento interesseiro do chefe. Sentado no fundo do teatro, a ler o seu jornal, Cheech começa a mandar aos poucos algumas dicas em voz alta para alterações no guião que, surpreendentemente, todo o elenco concorda, para desespero de David, que se sente artisticamente desautorizado por um "gorila". Mas a verdade é que não vai demorar muito para o dramaturgo perceber que é Cheech o verdadeiro génio teatral na sala e que, para alcançar a ribalta, terá que vender a alma ao diabo, pedindo ao brutamontes por conselhos que levem o seu trabalho a outro patamar. E será Cheech, enervado pelo facto da namorada do patrão estragar por completo as suas ideias, que terá que resolver o assunto pelas próprias mãos, dando razão a uma famosa frase Woody Allen numa entrevista: um artista, seja qual for a sua arte, cria o seu próprio universo moral. E é ai que percebes que Cheech, o mais improvável de todos, o único em "Bullets over Broadway" que leva a arte a sério.

Comédia negra de bastidores, Woody Allen reúne de forma primorosa em "Balas sobre a Broadway" os principais elementos da sua filmografia: a meditação conturbada sobre o amor, a arte e o sexo. A estes temas junta um elenco de estrelas que funciona em conjunto - três nomeações (Tilly, Wiest e Palminteri) e uma vitória (Wiest) nos Óscares - e uma narrativa tão complexa e divertida quanto acessível a todos os públicos. Considerada por alguns críticos como a última grande comédia de Allen, "Bullets over Broadway" revela-se uma sátira corrosiva ao mundo hipócrita e pretensioso do teatro - e do cinema, por arrasto óbvio -, numa reconstrução maravilhosa de uma cidade mágica nos anos vinte do século passado.

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito subvalorizado, mas um grande filme. Entre humor e lições sérias, tudo no filme é brilhante.

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