Muito podia ser dito sobre a terceira temporada da extraordinária "
Black Mirror"; que tem o melhor e o pior que a série já fez; que varia de sub-género dentro do género com uma audácia fenomenal; que usa muitos dos nossos medos e vícios actuais como arma carregada de cartuchos de ansiedade contra o nosso futuro. Seis episódios, cada um deles um poço de ideias passível de ser explorado durante longas linhas. Mas fico-me pelo quarto, "
San Junipero", de longe o meu favorito do já longo historial da série britânica de antologia idealizada por Charlie Brooker. Porque é sci-fi com coração, porque pela primeira vez terminou uma história com uma mensagem de esperança e não de angústia, porque explora de forma perfeita a nossa saudade nostálgica - que grande redundância poética só possível na nossa língua - da década de oitenta, porque nos deixa gratos pela vida, pela música e pelo amor, porque aniquila com a segregação racial e sexual num cenário idílico que já tanto sofreu com isso (África do Sul), qual ironia refinada num conceito narrativo que nos despistou até muito perto do final. Se fosse um filme, seria um clássico. Assim, como episódio de televisão isolado que passa num instante, a revisita quase instantânea torna-se fundamental. Pelas pistas que foram sendo deixadas durante quase todos os momentos, das sensações às palavras, que num primeiro visionamento pouco importaram. Cinematografia de excelência, interpretações de luxo (Gugu Mbatha-Raw e Mackenzie Davis) e uma sonoplastia com uma identidade fortíssima. O amor, aquele amor, que transcende o tempo, o espaço e, porque não, a limitação física do nosso corpo. A eternidade através da recolocação da nossa alma. Irresistível e apaixonante. Obrigatório, mesmo para quem nunca viu um único episódio de "
Black Mirror".
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