Convicto de que os comunistas estão a contaminar a nação Americana, um General marado dos miolos ordena, num acesso de loucura, um ataque nuclear aéreo sobre a União Soviética. O seu ajudante, o Capitão Mandrake, tenta desesperadamente averiguar o código para deter o bombardeamento. Ao mesmo tempo, o Presidente dos EUA, contacta o Primeiro-ministro Soviético, no momento embriagado, para o convencer que o iminente ataque se trata de um estúpido erro solitário. Entretanto, um dos assessores do Presidente, Dr. Estranhoamor, devaneia sobre as possíveis consequências da "Máquina do Juízo Final" - um equipamento de retaliação concebido pelos soviéticos para acabar de uma vez por todas com a raça humana. Aperitivo suficiente?
Ora bem. Por mais séria que a sinopse e o tema pudessem parecer, Stanley Kubrick alcançou, logo ai, algo estrondoso: em plena "guerra fria" abordar o terrível tema de um holocausto nuclear de uma forma descontraída, hilariante e, acima de tudo, humanamente e politicamente satírica, tornando todo o conteúdo, e consequente mensagem, muito mais eficaz e alarmante do que qualquer outro livro ou filme que abordaram na altura a mesma problemática.
“Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”, é, então, uma comédia negra/sátira/suspanse/alarme que, acima de tudo, exprime um enorme cepticismo no que à natureza humana diz respeito. Depois de uma forte desilusão com “2001: Odisseia no Espaço”,de uma semi-decepção com “The Shining” e de, finalmente, uma agradável sessão de cinema (também em si, satirizante) com “Full Metal Jacket”, alcanço agora, e sem margem para dúvidas, o ponto máximo da minha experiência “kubrickiana”. Já não era sem tempo. Finalmente… apaixonei-me pela bomba.
Nesta pintura barroca da destruição global, todas as personagens são esprimidas até ao limite. Peter Sellers interpreta, de uma só vez, um cientista psicopata germano-americano, defensor do holocausto nuclear e de práticas nazis, um militar britânico de suposto bom senso quasi-neutral e o presidente dos Estados Unidos da América. Sellers não é genial; génios existem vários. Sellers é único, fantasmagoricamente multi-desdobrável e perfeccionista, rasgando vários horizontes, tal como a obra em si, com a sua improvisação e humor corrosivo.
Outra excelente interpretação foi a de George C. Scott, com um papel que acaba por transmitir toda a meditação agressiva e bipolar de um ser humano, com os seus limites, tanto sexuais, como tecnológicos (quanto maior for o avanço, menor será a nossa capacidade).
Os diálogos são, todos e sem excepção, simplesmente inteligentemente deliciosos e perspicazes. As suas ideias continuam tão actuais e hilariantes como à quarenta anos. Se existem obras intemporais, esta será, certamente, uma delas. É esta a sua maior virtude. E ao afirmar isto, pergunto-me agora como foi possível este esplendoroso filme não ter ganho uma única das categorias para que foi nomeado (Melhor Filme, Melhor Actor Principal – Peter Sellers – e Melhor Realizador), perdendo todas as estatuetas para “My Fair Lady”, que rezam as criticas, não passou de outro musical lamechas, musicais esses tão em voga na década de 60. Aliás, a não coroação de Sellers chega mesmo a cheirar a um certo etnocentrismo da Academia Norte-Americana em relação ao Inglês.
Tal como tão bem escreveu o nosso colega Francisco Mendes em Pasmos Filtrados, Kubrick alcança o notável mérito de nos colocar a rir… de medo. Tão cómico, como alarmante, “Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb” demonstra essa mesma dualidade com a sua maravilhosa sequência final, em que um conjunto de imagens de explosões nucleares é acompanhada por uma deliciosa música identificadora da função narrativa: “We’ll meet again, don’t know where, don’t know when”. De chorar por mais. Obrigado Sr. Stanley!
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