sexta-feira, outubro 27, 2006

Children of Men (2006)

2027. Faz 18 anos que nasceu a última criança no planeta Terra e a raça humana caminha a largos passos para a extinção total. O globo caiu na anarquia total, e tudo devido a um problema (pelos vistos provocado por uma estirpe de gripe) de infertilidade na população de todo o mundo. Numa Londres semi-caótica e dividida, qual estilo neo-nazi, entre britânicos e emigrantes, Theo (Clive Owen), um desiludido ex-activista burocrata, torna-se no improvável defensor da sobrevivência humana, quando se vê obrigado a enfrentar tudo e todos (literalmente mesmo) e proteger Kee, que, milagrosamente, engravidou numa época onde a esperança já tinha morrido à muito. Continuará o futuro a ser uma coisa do passado?

Alfonso Cuarón, realizador do aclamado “Y tu Mama También” e de um dos capítulos da saga “Harry Potter”, consegue levar um conceito de elevadissímo potencial a um caminho argumentativo completamente desiquilibrado. Falta sensibilidade no trato de uma questão séria e preocupante. Ou melhor, de duas questões sérias e preocupantes: uma causa possível para a extinção da raça humana e a cada vez mais cinematograficamente retratada futura anarquia fascista que as sociedades podem enfrentar.

Assim sendo, “Os Filhos do Homem” pode ser facilmente separado em duas partes distintas. Uma, inteligente e bem construída, que nos situa psicológica e socialmente no quadro vivido por Theo (um fantástico Clive Owen, do qual falaremos adiante), em que os “miolos” se sobrepõem aos “tomates”. Finalmente, uma segunda metade, que apesar de conservar na estrutura alguns momentos extremamente humanos e tocantes, mais parece ter roubado a maioria das sequências a um qualquer “Missão Impossível” ou “007”.

E a premissa pede muito mais cabeça e menos disparos e correrias. “V for Vendetta”, que também retrata uma sociedade dominada por um regime tirano, e à partida uma obra muito mais propensa para se virar para a acção desenfreada, é claramente mais equilibrado e moralista do que este “Os Filhos do Homem”. E a tal não era obrigado, como acontece no caso de “Children of Men”, que acarreta consigo uma responsabilidade social elevada.

Mas não se pense que “Children of Men” é pura perda de tempo. Muito pelo contrário, pois são vários os atributos desta obra sobre a morte, a ciência, o futuro, o racismo e o amor. A começar pelo trabalho técnico de Cuarón, com algumas sequências contínuas de longa duração capazes de cortar a respiração. Depois temos um cada vez mais soberbo Clive Owen, que agarra o espectador ao ecrã e transpira sentimentos em forma bruta. Por fim, uma premissa, que por mais mal explorada que fosse, acabaria sempre por ser um produto de interesse. Alguns de vocês podem estar admirados em não referir Julianne Moore ou Michael Caine, os dois outros nomes que ressaltam no cartaz, mas a presença destes não passa de pura estratégia de Marketing. A sua influência no desenrolar da história é alta, mas a sua presença residual.

Em suma, “Children of Men” não passa de um filme competente, que se entrega demasiado cedo ao desfecho frenético, mas previsível. Ao criar altas expectativas com os primeiros 30/40 minutos, sobe a um patamar de elevada responsabilidade que não sabe manter. Cuarón, numa espécie de alquimista fracassado, transforma todo o “ouro” que possui, em “metal” sem valor moral, apenas emocional. Além disso, Cuarón esqueceu-se de contar variados pormenores ao espectador, que acaba por ficar intrigado e chateado com a transformação trágica de “Os Filhos do Homem” de obra de culto científica e dramática para “thriller” de acção. O resultado final é aceitável, mas não memorável. Porque quanto maior é a subida...

7 comentários:

C. disse...

Foi exactamente o que me fez sair desiludida do filme - a partir do momento em que se a história se concentra no gato e no rato e se esquece de nos envolver. Isso e a forma como descarta personagens excelentes :S

Hoje ou amanhã ainda escrevo também qualquer coisa no wasted blues ;)

Carlos M. Reis disse...

Nem mais cara Wasted. Disseste tudo.

Beijinhos, obrigado pela visita.

Francisco Mendes disse...

Este fica para a semana. Infelizmente não há tempo...

Abraço!

Carlos M. Reis disse...

Não te esqueças das nossas estrelas Francisco. Até amanhã, se for possível :) Um abraço!

Nuno Cargaleiro disse...

lamento, mas discordo... a ideia de caça gato e rato e temática "da imigração" não passa do fio condutor para falar sobre as relações humanas/mundiais e conflitos mundiais que vemos hoje... as cenas de guerrilha, mortes, combates civis, etc não são imagens do futuro... são imagens do presente. até pq o filme nunca chega ser um filme sci-fi no sentido mais normal, mas um filme sobre o presente que usa a história da infertelidade como um trigger para agarrar e trazer o espectador ao cinema!...

Carlos M. Reis disse...

Não tens que lamentar absolutamente nada Nuno. Eu continuo a achar que "as cenas de guerillha...etc.." deveriam ter sido "APENAS" imagens e não 30 ou 40 minutos do filme a fugir e correr entre elas, quando se têm um tema tão importante nas mãos. A infertilidade e o futuro não deveriam ser o trigger, como tu dizes, mas o núcleo do filme, que não servisse apenas para trazer o espectador ao cinema, mas para o deixar satisfeito e não enganado no final.

Um abraço, obrigado pela visita!

C. disse...

"a ideia de caça gato e rato e temática "da imigração" não passa do fio condutor para falar sobre as relações humanas/mundiais e conflitos mundiais que vemos hoje"

Mas aí é que está! Devia servir de fio condutor mas acaba por controlar o filme. Não há profundidade nas ideias, o que é pena.

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