Sejamos claros: Michael Moore criou o seu próprio sub-género documental. E tudo começou com "Roger e Eu", um documentário genuinamente divertido e revolucionário sobre o impacto do encerramento de uma fábrica da General Motors, então num apogeu financeiro extraordinário, numa modesta cidade interior dos Estados Unidos, Flint - onde, curiosamente ou não, Moore nasceu -, apenas para poupar uns trocos com salários numa mudança para o México, onde a mão-de-obra era consideravelmente mais barata. Numa cruzada memorável para entrevistar o presidente da GM, o Roger do título, Moore proporciona um "one-man show" tão hilariante como melancólico. A narrativa sarcástica de um encontro impossível.
Filmado durante cinco longos anos, a devastação e a depressão económica imposta a Flint são a razão justificativa para Moore passar de observador a protagonista, numa luta similar à de David contra Golias. Em estilo mordaz e corrosivo, Moore nada teme quando a sua câmara está ligada. Sem piedade nem complacência, "Roger & Me" é um filme que funciona sobre contrastes: rapidamente se salta de uma festa milionária entre patrões para um despojamento de uma família afectada pelo fecho da fábrica, sem dinheiro para pagar a renda; de uma cantora de sucesso, que embrulhada nas suas jóias afirma que todos nós podemos chegar longe se trabalharmos no duro, a uma mulher que mata e esfola coelhos para sobreviver.
Em suma, Moore incita no espectador não só a gargalhada sentida como uma sensação incómoda de indignação moral. E para tal, quando necessita manipula objectivamente situações e imagens, sem o tentar esconder, dando voz a miúdos de rua que nada percebem da situação mas exprimem melhor que ninguém a penúria de então. Porque mais do que traídos e em depressão, o povo de Flint está furioso. E não bastaram protocolos intitulados "O que fazer se Michael Moore aparecer?", que andaram de fax em fax pelas filiais da GM, para travar um homem anafado de boné, que angariou fundos durante anos no bingo local para conseguir transpor para o grande ecrã a obra a que Tarantino intitularia "Kill Roger".
2 comentários:
Sempre foi o meu favorito do Moore, porque me parecia o menos manipulador de todos os seus documentários.
No entanto, recentemente descobri que afinal não é bem assim; é que Michael Moore conseguiu mesmo chegar à fala com o chefão da GM, mas não inlcluiu isso no filme, porque... senão não havia filme.
Mas não deixa de ser um belo documentário :)
Então? Conta lá isso. É esquesito, pois já tive oportunidade de ver a curta-metragem do Moore sobre os efeitos do Roger and Me em Flint (em breve, deixo aqui a apreciação e o link para o vídeo, que não é nada fácil de encontrar, pois não anda nos sítios do costume, como o Youtube e o Google Videos) e aparece uma parte em que o Roger fala do filme a um outro jornalista, e nunca refere que deu a entrevista. Fiquei curioso.
Um abraço Dermot!
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