“Uma Segunda Juventude” narra a história de Dominic Matei, um erudito notável que, na recta final da sua existência, desespera por não ter conseguido acabar o livro ao qual dedicou toda a sua vida. Portador e reflexo da sua impotência enquanto ser humano, Matei decide suicidar-se. Mas como que por vontade divina, nesse mesmo dia é atingido de forma fulgurante por um raio, ficando gravemente queimado mas também na posse, inexplicavelmente, de poderes rejuvenescedores nunca antes vistos. Tal caso indelével acaba por atrair atenções pouco desejadas, mas também possibilitar-lhe uma vida eterna em busca de um final para a sua obra sobre as origens da linguagem humana. Até chegar o dia em que terá que escolher entre o trabalho de uma eternidade e o amor de uma vida.
“Youth Without Youth” é uma obra estranha e misteriosa, repleta de simbolismos e de pretensiosismos. Com uma liberdade criativa própria de quem vive sobre a sombra de um passado de peso, o imortalizado Francis Ford Coppola tira da empoeirada cartola uma exposição artística sem coerência narrativa nem qualquer espécie de funcionalidade enquanto sistema. Focando a personagem de Tim Roth – que esplendoroso e rutilante, encerra em si toda e qualquer virtude da fita – nas inquietações que o perturbam, Coppola demonstra ser hoje uma sombra do monstro que arquitectou nos anos setenta algumas das obras mais importantes da história do cinema norte-americano.
Sem a harmonia de outras obras recentes que abordaram conceitos como a velocidade impetuosa do tempo, a imortalidade e a morte – contemplemos o recente poema divino e transcendental de Aronofsky, “The Fountain” -, o melhor elogio que pode ser feito a “Uma Segunda Juventude” é que a sua fragmentação excessiva e exagerada da narrativa causará tanto repulsão hostil da parte de alguns como entusiasmo confuso por parte de cinéfilos mais experimentais. E porque só muito injustamente a decomposição subtil de um mito através de planos invertidos sofríveis e desconexos colocaria em causa uma filmografia digna de figurar na biografia fundamental da sétima arte, “Tetro” (o próximo filme de Coppola) continuará a ser alvo das mais altas expectativas entre todos aqueles que desta vez se sentiram defraudados. Ninguém mais do que Coppola merece uma nova oportunidade.
11 comentários:
Grande crítica, li-a na (notável) terceira edição da Take!
Vi cerca de metade do filme, mas como este falhou em captar o meu interesse parei a meio; Tenho de ver o resto um dia destes, nem que seja só por respeito ao grande Coppola...
Um grande abraço Knox
Pois, eu discordo por completo. Considero que este é o definitivo amadurecimento de Coppola em função do seu envelhecimento. Sei que é uma obra controversa e que a maioria da população cinéfila, ou adora ou detesta. Eu, como já ficou evidenciado, sou um dos que adora. Desde a fotografia às interpretações passando pelo espírito retro e pela realização magistral, Coppola triunfa. Pena que não seja do agrado geral, talvez pela elevada carga filosófica que o enredo acareta.
Não obstante, é uma crítica excelentemente composta e portanto tem toda a sua credibilidade.
Abraço
Caro Dutch, fico à espera que acabes então para saber o que achaste. Mas se não gostaste da primeira metade, provavelmente a segunda não te irá satisfazer também. Um grande abraço!
Fifeco, percebo tudo o que dizes. Até o encontro e associo no imediato. Mas são as mesmas razões que me levam numa direcção oposta à tua. Aliás, tal como disse na análise, é um filme em que os mesmos pormenores podem levar ao amor de uns e ao ódio de outros ;) Um abraço, agradeço a postura serena de oposição, cada vez mais rara por essa blogosfera fora, que quando vê algo com que não concorda, entra logo no insulto fácil ;)
Este é daqueles filmes que tenho medo de ver. Tenho medo de ficar desiludido com um filme de um dos maiores cineastas de todos os tempos.
Coppola tem sido um realizador que tem sido pouco constante nas suas obras... tanto faz um Apocalypse Now, The GodFather, Dracula, Conversation... como é capaz de fazer um Jack, Peggy Sue Got Married, Gardens of Stone. Tanto faz obras primas do cinema como desilude em muitas escolhas de filmes. Não é que ele seja obrigado a fazer sempre obras primas (isso seria impossível), mas para um realizador que não faz assim tantos filmes e com todas as premissas de inicio de carreira... esperava-se muito mais do tio do Nicolas Cage.
Está na minha lista de "To See"... a ver vamos se tenho a coragem para o ver um dia destes.
No entanto, excelente critica ;)
Knoxville... Pareces ser um tipo impecável... pena seres benfiquista :P
Knoxx, compreendo e partilho em parte da tua desilusão. Mas o filme tem alguns pontos fortes, como a encenação e a direcção de actores...mas não é dos melhores de Coppola. Ai isso não é!
Knox não são as grandes obras (filmes)de hoje aquelas que não foram compriendidas no seu tempo?
Confesso que infelizmente me escapou, mas ei de vê-lo em DVD. (a quantidade de cinemas em que estreou poderia, e deveria, ter sido maior)
Confesso ter também algum receio. Se por um lado aprecio o trabalho de Coppola e Tim Roth, por outro, a maioria de opiniões que tenho ouvido sobre o filme, vão de encontro à tua...
Mas evidentemente que o irei ver, mais cedo ou mais tarde!
Abraço! (já agora, num pequeno à parte, a Take mantem a qualidade ;) Mas ainda tenho de a ler melhor, já que apenas vi em maior detalhe o artigo do Indiana, do qual gostei. Belo relembrar da saga!)
DAGC, agradeço as simpáticas palavras. Quanto ao filme, e como ainda é bastante longo, cabe a ti dar-lhe uma oportunidade. Eu não o recomendo, mas não sou exemplo para ninguém ;) Um grande abraço.
Luís, não nego. Mas isso só pode ser analisado quando o todo satisfaz. Quando não o faz, a soma das partes não resulta ;) Um abraço.
Trivialidados, não é uma regra, mas é comum na história do cinema. O tempo o dirá. Mas mesmo no futuro, olhando para a filmografia de Coppola, duvido que alguém escolha este Youth Without Youth como uma das obras máximas do realizador. Cumprimentos!
RJ, o Tim Roth tem uma prestação exemplar. O próprio Coppola tem alguns momentos interessantes - e outros tótós, como os planos invertidos. A narrativa, essa, é que não pega. Pelo menos comigo. Quanto à Take, ainda bem que gostaste ;) Só assim tem piada! Um grande abraço.
eu entendo tudo o que foi dito, mas a minha opinião não muda, e de vou confessar, eu encaixo-me na categoria dos mais experimentalistas que gosta de filmes deste género, embora não possa ser o melhor do ano, para mim já está na lista dos 10 primeiros, na minha sincera opinião Coppola faz um óptimo trabalho, para mim um filme de 4.5 estrelas, muito, bom e essa dita fragmentação, o estilhaçar da realidade, o partir e repartir do senso e da lógica dão uma componente tão poética e transcendental ao filme que tenho pena que nem todos gostem, mas eu por mim fico nas mesma: é para mim um grande filme
E cada um é como cada qual ;) Respeito por completo a tua análise. Cumprimentos Ricardo!
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