2008 será para sempre lembrado como o ano em que Barack Hussein Obama, batalha após batalha, ganhou a guerra por uma mudança que parecia condenada. Talvez inspirado pela ousadia deste Homem invulgar e apaixonante, ícone de esperança de um país e de um planeta, no que toca ao Cinema 2008 foi o ano de outros heróis, os dos livros aos quadradinhos e das bandas desenhadas. Creio que não será escandaloso dizer que grande parte da culpa deste rótulo deve-se ao sucesso estrondoso de um só filme: o sublime “O Cavaleiro das Trevas”, que caíu que nem uma verdadeira bomba atómica nas bilheteiras de todo o mundo. Com mais de quinhentos milhões de dólares domésticos e outros tantos internacionais, o épico de Christopher Nolan conseguiu ainda ser aplaudido de pé por grande parte dos mais exigentes críticos da indústria, bem como pelo público que via no original de Tim Burton uma obra insuperável na história da personagem de Gotham City. Como se tudo isto não bastasse, a morte prematura de Heath Ledger, um fantasmagórico Joker, elevou o hype do blockbuster a níveis de histeria e antecipação nunca antes vistos. Com razão, como viria a ser provado.
Mas não é apenas a aventura na escura Cidade de Gotham e as diabruras quase circenses de Joker que ajudaram a elevar, uma vez mais, os super-heróis para a ribalta: também “Homem de Ferro”, resultado da cooperação entre a Marvel e a Paramount triunfou na box-office, tendo sido a quinta fita mais lucrativa desse ano. Dentro da armadura, Robert Downey Jr., uma das figuras desta década, ao ressuscitar de uma vez por todas para o cinema depois de uma geração de problemas relacionados com drogas e álcool. “Tempestade Tropical”, estreado algumas semanas depois da aventura da Marvel, deu a estocada final em qualquer dúvida: com uma interpretação memorável, digna de um carimbo de culto, Downey foi nomeado a vários galardões e iniciou um ciclo vitorioso que promete continuar nos próximos anos. Por fim, mas talvez não tão consensuais como os já citados, 2008 foi também o ano de “O Incrível Hulk” de Edward Norton, de “Procurado” com Angelina Jolie ou da sequela de Guillermo del Toro, “Hellboy II: O Exército Dourado”. Sem esquecer a quarta produção mais lucrativa desse ano: “Hancock”, um super-herói preguiçoso e desleixado criado propositadamente para o cinema.
Na animação, uma obra destacou-se - como foi hábito em quase todos os outros anos desta década - de todas as outras: “Wall.E”, da Pixar, conquistou o coração de miúdos e graúdos, arrecadando vários prémios importantes. Mesmo assim, o pequeno robot lucrou menos cento e trinta milhões de dólares do que “O Panda do Kung Fu”, terceiro na box-office mundial de 2008. “Madagáscar 2” e “Horton e o Mundo dos Quem” completam as referências do quadrante artístico mais rentável da indústria neste ano. Os regressos em forma de sequela, esses, desiludiram em toda a linha. Das mais promissoras – “Quantum of Solace” ou “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” – à mais esperada desilusão – “A Múmia: O Túmulo do Imperador Dragão”, todas acabaram por decepcionar até os mais fervorosos admiradores. Exemplo claro foi “Ficheiros Secretos: Quero Acreditar”, assobiado pelos fãs e abandonado nas salas de cinema pelo grande público logo à partida. No entanto, dentro deste escalão de adaptações televisivas para a grande tela, houve algumas surpresas que corresponderam às mais honestas expectativas de quem seguia o produto original: “Sexo e a Cidade” e “Get Smart – Olho Vivo” arrecadaram milhões e garantiram o aval público para novos capítulos.
Na edição de 2008 dos prémios mais conceituados da indústria cinematográfica a nível planetário, os irmãos Coen foram os grandes vencedores, arrecadando com “Este País Não É Para Velhos” as mais importantes estatuetas da Academia Norte-Americana. Cerimónia histórica esta – a octogésima - que ficou marcada positivamente pela apresentação memorável de Jon Stewart, bem como pela internacionalização dos galardoados: nenhum dos quatro vencedores nas categorias de representação era norte-americano. No entanto, discursos de vitória insonsos como nunca se havia visto deixaram saudades da ousadia e da emoção de outras conquistas. Por falar em insonso, que dizer do regresso da dupla Robert De Niro e Al Pacino, em “A Dupla Face da Lei”? Dois monstros que parecem afundar-se com a idade, ao contrário do nosso muito querido Manuel de Oliveira, o mais internacional de todos os cineastas portugueses, que comemorou cem anos de idade e continua, século após século, a brindar o cinema português e europeu com uma energia revigorante.
Provavelmente nenhum outro ano desta década que agora terminou deixou os estúdios de todo o mundo sem algumas das suas mais brilhantes estrelas. Em Janeiro, a morte inesperada do jovem Heath Ledger, com apenas vinte e oito anos de idade, resultado de uma mistura abusiva de soporíferos com vários outros medicamentos. Em Fevereiro, Roy Scheider, actor em voga na década de setenta, guardado para sempre na memória dos cinéfilos pelo seu papel em “Jaws”, que ajudou a catapultar Spielberg para a elite de Hollywood. Em Março seria a vez de Anthony Minghella, realizador britânico galardoado pelo seu trabalho em “The English Patient”, que não resistiu a algumas complicações que surgiram após uma simples operação à garganta. Já em Abril, foi a vez de Charlton Heston, herói de épicos como “Ben-Hur” – pelo qual ganhou o Óscar de Melhor Actor -, “El Cid”, “Planet of the Apes” e “The Ten Commandments”, onde interpretou o papel de Moisés. Amado pelo seu talento diante as câmaras, odiado muitas vezes pela forma apaixonada pela qual defendia o uso de armas nos Estados Unidos da América, Heston era um dos actores da indústria com mais fortes crenças republicanas e conservadoras. O oscarizado Sydney Pollack em Maio, o mestre dos efeitos especiais Stan Winston e o polémico humorista George Carlin em Junho e o divertido Bernie Mac em Agosto agravaram o registo de um ano de despedidas, que não descansou enquanto não levou consigo os olhos azuis mais bonitos e venerados da história do cinema: os de Paul Newman. Mais do que um actor com cinco décadas de uma carreira brilhante em Hollywood, onde marcou mais do que uma geração com o seu talento, Newman será para sempre relembrado como um dos mais notáveis filantropos norte-americanos, tendo doado durante a sua vida mais de 250 milhões de dólares a instituições de caridade. Homem como poucos, marido afável e fiel, protagonista de um dos casamentos mais longos da história de Hollywood com Joanne Woodward, Newman jamais será esquecido por todos aqueles que salvou da droga e da miséria, pelos cinéfilos que apaixonou com as suas interpretações enquanto “saco de pancada” e por todas as teenagers que morreram de amores pelos seus lindos olhos azuis, ainda para mais sobrevivendo a épocas conturbadas onde os ídolos e ícones de beleza das multidões acabavam sempre por trilhar o mesmo caminho: o da auto-destruição.
No ano em que Barack Obama foi eleito o primeiro presidente norte-americano de origem africana, batendo os republicanos com 338 votos eleitorais contra os 161 de McCain, em que Cristiano Ronaldo ganhou a Bola de Ouro da revista France Football, em que Manuel de Oliveira festejou cem anos de idade, em que Nelson Évora conquistou uma medalha de ouro olímpica para Portugal, em que foi proclamada a República no Nepal, pondo fim a 240 anos da única monarquia hindu no mundo, em que o Urso Polar passou a ser considerado um animal em vias de extinção, em que um tremor de terra com uma magnitude de 7.9 tirou a vida a 68 mil pessoas na China, em que o ciclone Nargis devastou a Birmânia, matando mais de 130 mil pessoas, em que cerca de 100 mil professores de todo o país manifestaram-se em Lisboa contra a política da educação do governo português, em que Fidel Castro demitiu-se do cargo de Presidente de Cuba, após 49 anos no poder, e em que a greve dos guionistas de Hollywood finalmente acabou, após quatro meses de reivindicações que custaram mais de dois biliões de dólares à indústria cinematográfica norte-americana, nada disto estaria aqui relembrado nestas linhas se no dia 8 de Fevereiro de 2008 uma nova revista de cinema em Portugal não tivesse nascido. Sobre a batuta de um maestro todo-o-terreno, uma equipa jovem e dinâmica traz desde aí todos os meses uma revista de cinema em estado puro, em bom português, ao acesso de todos, sem elitismos ou influências externas e totalmente original nos seus conteúdos. Tudo sem um único centavo envolvido nos dois lados da barricada. Que ano verá a Take extinguir-se? Não sabemos, mas aconteça o que acontecer, a Take Cinema Magazine ficará para sempre na História. De 2008 e, esperemos, desta nova década.
NDR: Artigo publicado na edição 21 da Take Cinema Magazine.
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