Em “A Minha Filha Podia Pintar Isso”, o documentarista americano Amir Bar-Lev propõe-se a acompanhar de perto um fenómeno extraordinário que começava a fascinar milhares de famílias norte-americanas, através de diversos talk-shows “Oprah style”, mas também os mais conceituados críticos de arte de todo o planeta: a história de uma criança de quatro anos, a pequena Maria Olmstead, cujos quadros abstractos rendiam já centenas de milhares de dólares (aos pais), sendo a sua técnica de pintura já comparada aos maiores artistas da história da arte moderna. No entanto, quando em pleno processo de filmagens do documentário, o conceituado “60 Minutos” elabora uma reportagem que lança a dúvida da autoria das obras - graças a uma gravação de uma câmara oculta de Maria a pintar - atribuindo o esmero ao pai, também pintor, Bar-Lev fica sem saber para onde se virar. E o que era suposto ser um documentário de exaltação de uma criança prodígio rapidamente transforma-se num projecto ambíguo sobre a verdade. Seja ela qual for.
Analiticamente, a verdade indiscutível é que acaba por ser esta revelação escandalosa que dita não só o sucesso comercial e mediático do filme, mas que também coloca a nu as fragilidades técnicas e narrativas de Bar-Lev, que não só não consegue descobrir – ou pelo menos supor - tal falcatrua após semanas a acompanhar os Olmstead, como depois de ser surpreendido pela reportagem da CBS não tem coragem suficiente para decidir um rumo a tomar, acabando o seu documentário por deixar mais dúvidas em relação à honestidade da genialidade de Maria do que respostas. Porque se os Olmstead não tinham mesmo nada a esconder, porque não pedir-lhes para instalar uma câmara oculta – já que na presença de estranhos, Maria supostamente distraí-se demasiado e não conseguia “fazer das suas” - que cobrisse as criações da pequena rapariga? Em suma, “My Kid Could Paint That” é uma história/conspiração fascinante que merecia no leme alguém com coragem suficiente para assumir um genuíno trabalho de investigação que respondesse a uma simples questão: seria – ou será ainda – Maria uma verdadeira criança-prodígio ou vítima ingénua de uma fraude parental?
1 comentário:
Não vi o documentário, nem sei se já foi exibido aqui no Brasil, mas deve ser interessante, ao abrir espaço para indagações, dúvidas e reflexões como as que você sugere. Neste ponto, reporto-me a uma postagem sua de 2003, sobre o filme Viagem sem destino, que assisti ontem pela televisão. Será que os compradores dos quadros da menina não se parecem de certa forma com os advogados da cidade fictícia? E, se o pai for o pintor, será um crime tentar vendê-los por meio de uma ficção que agrada a todos? Um abraço. Ignez
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