"É meio da noite cá, início de tarde lá, e tenho John Carpenter ao telefone directamente de sua casa, para uma entrevista que acabaria por durar aproximadamente uma hora. A conversa com o mestre (que não se julga mestre) de 63 anos é a propósito de O Hospício, o seu mais recente filme que vai chegar agora até nós esta Quinta-Feira, dia 8. Uma “História de fantasmas à antiga, feito por um realizador à antiga”, diz ele, e com razão. Pode estar bem longe das suas maiores obras-primas, mas O Hospício tem ainda assim um feel indistinguível de quem o faz, com a sua câmara deslizante e os sustos (aqui mais abundantes que nos seus anteriores filmes) tão bem pensados quanto executados. Filmes assim de terror, hoje em dia, são raros."
"Podia juntar aqui inúmeros factores que todos poderiam ser válidos: qualidade, gosto das pessoas, estreias em poucas sessões, preconceito (porque não?) e por aí fora. Temo é que com as propostas do actual governo, que segundo se diz pondera deixar de subsidiar filmes de realizadores que não compensam nas bilheteiras, o futuro do Cinema português ficará ainda mais negro do que é actualmente. E, já agora, o que terá a recentemente criada Academia Portuguesa das Artes e Ciências Cinematográficas a dizer sobre esta questão? Para mim, ver estes dados deixam-me triste."
"Tim Burton fez algo mais curioso (confuso): Pegou em ambos os livros (in Wonderland e through the looking glass) para fazer um só filme. Então é um remake e uma sequela ao mesmo tempo. Mas é acima de tudo uma sequela das histórias originais porque refere no começo do filme que Alice está agora crescida e lembra-se que em criança esteve nesse mundo imaginário. A toca do coelho, os frascos de encolher/crescer, o Chapeleiro Maluco, etc. Mas porquê então repetir todas as sequências do livro? A primeira metade do filme é um remake de, por exemplo, filme de 1952 da Disney, a versão animada. Era para terem a sua versão live-action e... em 3D. Outch."
"O meio do cinema, altamente tribalizado, comportou-se de forma pequena, muito pouco à altura dos pergaminhos que tanto diz ter e mostrou-se pouco determinado em defender o direito à cultura, isto é, o acesso de todos ao cinema, princípio que só deveria oferecer da sua parte a mais inequívoca e incansável das defesas. Nenhuma organização, instituição privada ou pública nos ajudou ou quis colaborar de forma expressa e substancial nesta causa. A forma como a Associação Portuguesa de Realizadores ignorou por completo esta iniciativa é sintomática de como as gentes do cinema estão muito pouco disponíveis para apoiar iniciativas cívicas desta natureza. Também registamos com desagrado o pouco eco e apoios que obtivemos junto da Cinemateca Portuguesa, de quem acabámos por não merecer uma única assinatura. Seria interessante saber o que pensam estas instituições públicas da forma como a RTP2 tem tratado aquilo que deveriam defender incondicionalmente: o Cinema, precisamente."
"A premissa pode à primeira vista parecer simples . Para o cidadão comum, o homem de família calejado pela labuta do dia a dia, é só apontar e dizer “vamos ver este”. No entanto este ato encerra em si a mais vil das falácias, qual besta de sete cabeças que tão depressa nos dá o poder como de seguida nos destrói nas fornalhas do inferno da condenação pública. É nesses momentos, perante dezenas de dedos furiosos que acenam violentamente na nossa direção, quando o escárnio de uma multidão irada clama pela nossa alma, é aqui que desejamos ter ouvido o nosso colega bêbedo que no início disse “Não escolhas esse, porque esse é uma merda!”. Sugerir um filme a um grupo heterogéneo de pessoas é como uma experiência científica que envolva explosivos, parece verdadeiramente divertida e promissora até alguém perder uma vista."
"Apesar de tudo, uma pessoa muda de gostos e opiniões. Como? Por influência exterior. Pelo gosto e opinião dos outros. Aqui, entra-se no domínio do racional, reflecte-se, que é como quem diz volta-se a pensar, em vez de ir pelo primeiro instinto, reavaliam-se preconceitos. Claro que há coisas que, por muito que nos demonstrem que não prestam, amamos e o contrário também. De resto, não defendo que o racional é mais certeiro ou avisado do que o irracional no gosto e na opinião, equivalem-se, ambos importantíssimos."
"Fuller, cineasta maldito e incompreendido, tantas vezes injustiçado e difamado sem razão aparente, cineasta antagónico de Capra ou de Ford. Nada de patriotismos ou de lirismos daquele american way of life dos acima citados, não… nada disso, nada de subtilezas ou integridades, nada comparado a Sirk ou a Stahl. Não, nada disso. Fuller, o tal que um dia disse “Film is a battleground. Love, hate, violence, action, death...In a word, emotion”, cineasta do melodrama mundano, explorador das sombras da corrupção do noir, da loucura e da podridão do mundo, da violência e da estupidez da guerra. Cineasta moral na sua lucidez da realidade, rejeita qualquer utopia ou esperança de felicidades ou mundos cor-de-rosa, cineasta da amoralidade, anti-guerra e anti-racista, cineasta da dignidade que se encontra na amoralidade."
"Só há três desfechos para uma série televisiva: a série agarra-nos e depois é cancelada, pura irritação; a série agarra-nos e vai perdendo qualidade, levando à frustração; Ou então podemos morrer enquanto a série ainda está no ar…O cinema é um one night stand, alguém que conhecemos num bar e que pode ser o melhor que nos aconteceu ou um puro desastre, mas de qualquer das maneiras na manhã seguinte ele não vai lá estar e…venha o próximo! Exige pouco de nós, o interesse é casual e temporário. Uma série exige muito mais, exige compromisso (o cinéfilo não é de confiança, o gajo que vê séries é para casar! Ouviram meninas?!)."
4 comentários:
Das minhas categorias predilectas esta. Como tinha dito de certeza que me ia esquecer de alguns e vi logo isso no primeiro nomeado. A entrevista ao Carpenter do Gonçalo Trindade é muito boa e merece este destaque.
Além disso mais de metade dos que nomeei estão aqui oh yeah
Simplesmente não sei em quem não votar...
Quero aproveitar para agradecer a minha nomeação. É com orgulho que me vejo neste grandioso lote de textos, apesar de reconhecer que não vou ter a mínima hipótese face a estes nomes.
E para dar os parabéns aos restantes nomeados desta e das outras categorias. Estes prémios provam que a blogosfera cinéfila está bem e recomenda-se.
Vemo-nos no dia 7 de Janeiro. Cumprimentos a todos
Uma grande categoria, todos nomeados muito merecidos. E vai ser difícil escolher.
Parabéns a todos!
Jorge Rodrigues
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