Mas Pablo não era nenhum santo pecador, nem coisa que se pareça. Tornou-se um mecenas por interesse, com o objectivo de conquistar um lugar através de sufrágio na Câmara dos Representantes, impedindo assim que fosse possível a sua extradição para os Estados Unidos da América, onde devido à morte de um basquetebolista famoso devido ao consumo de cocaína proveniente da Colômbia, estava aberta uma guerra ao narcotráfico sul-americano. Dentro de portas, Pablo controlava tudo, até as prisões. Construiu uma à sua medida - La Catedral -, entregou-se às autoridades e continuou a orquestrar tudo dentro da sua nova mansão: lá combinava jogos de futebol com estrelas colombianas e não só, organizava raptos e assassinatos e continuava a mandar na Colômbia, tanto nas ruas como nos gabinetes políticos. E foi numa dessas visitas "futebolísticas" de Andrés e outros internacionais como o mítico Faustino Asprilla (Parma e Newcastle) ou Carlos Valderrama (quem não se lembra da sua característica cabeleira loura), que Pablo Escobar combinou com o lendário guardião René Higuita o sequestro do filho de um barão de droga rival que acabou por levar "El Loco" para a prisão durante quase um ano, impedindo-o de participar no Mundial de Futebol de 1994 nos Estados Unidos da América. Ninguém, principalmente Andrés, queria visitar Pablo... mas era obrigatório aceitar os seus convites, ou as consequências seriam imprevisíveis. Como diz o seleccionador de então, o respeitável Francisco Maturana, a certa altura do documentário, "se Don Vito Corleone convidasse qualquer pessoa para jantar em sua casa, alguém teria coragem para não aparecer"?
E é esta relação muito próxima entre Pablo e o futebol, entre Andrés e o mundo do narcoterrorismo, que a dupla norte-americana Jeff e Michael Zimbalist estuda e aprofunda neste seu "The Two Escobars". Como dois homens de ideias e princípios completamente opostos se viram ligados por um amor comum ao futebol que não só lhes trouxe fama e dinheiro, como uma morte antecipada. Sim, porque foi a exposição que a entrada no mundo do futebol trouxe a Pablo que o tornou num alvo fácil de capturar, e foi também, azar dos azares, um autogolo no Mundial de 94 que acabou por ditar a morte de Andrés às mãos de dois irmãos criminosos que perderam milhões de dólares em apostas com a eliminação da então principal candidata ao título - quem o afirmou foi o Deus Pelé, após a vitória categórica da selecção colombiana sobre a rival Argentina, por 0-5, no jogo decisivo de apuramento. Quatro anos, vinte e muitos jogos depois com apenas uma derrota, a Colômbia tinha tudo para fazer o Mundial da sua vida. Não o fez e a culpa pode muito bem dever-se ao facto de Pablo já não estar vivo na altura.
Esta conclusão é arriscada, todos nós percebemos. Mas os irmãos Zimbalist não têm dificuldades em explicá-la convincentemente. A morte de Pablo em Dezembro de 1993, numa operação conjunta entre as Forças Especiais norte-americanas e a polícia colombiana, trouxe o caos ao país. Todos os criminosos reprimidos e controlados antigamente pelo "El Patrón" ficaram livres de fazer o que lhes apetecia. Na falta de um líder, todos procuravam ser os mais temidos nas ruas para ocupar o lugar deixado vago por Pablo. A violência orientada do cartel de Medellín tornou-se desorganizada e descontrolada, elevando o número de assassinatos para índices nunca antes vistos. De treinador a jogadores, quase todos foram ameaçados durante o Mundial de 94: o seleccionador foi "obrigado" a deixar no banco um titular do meio-campo de modo a salvar a família deste e o irmão de um defesa que esteve menos bem no jogo inaugural com a Roménia foi assassinado após a partida, provavelmente por alguma frustração também relacionada com apostas desportivas. Antes do confronto decisivo com a equipa da casa na segunda jornada do grupo, ameaças de morte e rapto a familiares passaram nas televisões dos quartos dos jogadores. Ninguém tinha a cabeça no sítio certo para jogar futebol e ser feliz. E quando Andrés marcou aquele fatídico auto-golo, o seu olhar parecia denunciar o seu destino. Deveria ter sido Milão, que esperava pela sua nova contratação, mas acabou por ser um parque de estacionamento escuro junto a uma discoteca em Medellín. "A vida não acaba aqui", disse Andrés à comunicação social após o auto-golo. Estava enganado.
Em suma, "The Two Escobars" revela-se um documentário poderosíssimo sobre uma época em que drogas, futebol e orgulho nacional eram ingredientes comuns num cocktail explosivo de poder, dinheiro e brutalidade. Quase como se de um thriller de espionagem se tratasse, somos arremessados para uma história tão surreal quanto o pontapé de escorpião de Higuita, tão eloquente que consegue expressar em duas horas o que uma nação não conseguiu verbalizar durante duas décadas. Não lhe faltam heróis - Andrés, Maturana ou Valderrama - nem vilões - Pablo, Popeye ("com as minhas mãos matei cerca de 250 pessoas a mando de Pablo... mas só um psicopata é que faz essas contas") ou políticos corruptos - em entrevista, bem como imagens de arquivo absolutamente inacreditáveis de ambos os Escobars. O narcoterrorismo e o narcofutebol num retrato arrepiante de um país com severos traumas e estereótipos relacionados com a droga.
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