Chance é um humilde cinquentenário que toda a vida foi jardineiro interino de um homem abastado em Washington. Sem nunca ter saído da propriedade, sem documentos para comprovar a sua existência e sem saber ler nem escrever, tudo o que Chance sabe aprendeu a jardinar ou a ver incontáveis horas de televisão. Quando o patrão falece, a casa fica na posse de advogados e Chance, sem família, amigos ou sítio onde pernoitar, fica nas ruas da capital norte-americana à mercê do acaso. E será mesmo o mais puro acaso - um atropelamento acidental - que o tornará num dos opinion makers mais respeitados do País.
Sátira brilhante de uma subtileza rara, cativante no contínuo jogo intelectual que promove sem necessidade de arrancar ao espectador gargalhadas fortuitas, "Bem-vindo Mister Chance" demonstra de forma deliciosa que uma boa aparência, um discurso pausado e focado em sound bites e amigos poderosos são tudo o que um homem precisa para triunfar nas sociedades modernas, por mais vazio e insignificante que seja o conteúdo e o background do emissor. Com uma performance memorável de Sellers dois anos antes da sua morte - sempre no mesmo tom e com uma tranquilidade quase angustiante - e um papelão tremendo de Melvyn Douglas - quem com ele venceu um Óscar -, "Being There" oferece ainda um dos finais mais enigmáticos de sempre, com múltiplas interpretações, uma verdadeira pedrada no charco que mostra que, num filme sobre percepções, também as nossas estavam em jogo. Num filme com uma forte (mas divertida) componente de consciência e crítica social - onde apenas eram escusados os subplots de cariz sexual -, fica uma pergunta no ar: será assim tão fácil distinguir um idiota de um sábio?
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