segunda-feira, dezembro 15, 2014

Crónicas de uma Entrevista Conturbada


Anne Rice, autora da saga literária, confessou numa entrevista que criou a personagem de Lestat e pensar no actor Rutger Hauer. Quando os direitos de adaptação cinematográfica foram adquiridos pela Paramount por cento e cinquenta mil dólares ainda antes da publicação do primeiro livro em 1976, John Travolta era a primeira opção dos produtores para o papel principal, escolha que não agradava a Rice mas contra a qual nada podia fazer. Felizmente, o excesso de projectos vampirescos da altura - "Dracula", "Nosferatu" e "Love at First Bite" - acabaram por adiar a decisão da Paramount para outra altura. E quando já ninguém se lembrava dele, eis que no início dos anos noventa volta tudo para cima da mesa e Tom Cruise é anunciado para o papel de Lestat. E Rice, em várias entrevistas, dava conta da sua insatisfação pela aposta no Top Gun da altura.

Pelo caminho ficaram Jeremy Irons - não queria um papel com a necessidade de tantas horas diárias numa cadeira de maquilhagem -, John Malkovich, Peter Weller, Alexander Godunov e Johnny Depp, na altura o preferido de Rice devido ao seu desempenho em "Edward Scissorhands". Mas não foi o único: River Phoenix, contratado com o aval de Rice para o papel do jornalista Daniel Molloy, acabou por falecer quatro semanas antes do início das filmagens e teve que ser substituído por Christian Slater, que rezam as crónicas doou todo o seu salário de duzentos e cinquenta mil dólares para instituições de caridade relacionadas com Phoenix. Já para o lugar da jovem Kirsten Dunst concorreram nomes hoje consagrados como Christina Ricci, Julia Stiles ou Evan Rachel Wood. Mas foi Dunst, na altura com doze anos e nojo de beijar o dezoito anos mais velho Brad Pitt na boca, que conquistou a personagem... e a crítica.

As filmagens não foram fáceis para ninguém. Brad Pitt confessou em 2011 que participar em "Entrevista com o Vampiro" foi a experiência cinematográfica mais miserável da sua carreira. Constantemente desconfortável com a maquilhagem, roupas e lentes de contacto, Pitt não gostava ainda de ser considerado o secundário de Cruise, tanto em cena como nos bastidores. Diz inclusive ter ligado ao seu amigo e produtor David Geffen para arranjar maneira de sair do filme, algo que se revelou impossível devido à especificidade do seu contrato. Como se não bastasse, todos os actores "vampiros" eram obrigados a passar largos minutos ao longo do processo de maquilhagem com a cabeça para baixo e os pés para cima, de forma a que o sangue se acumulasse nas suas cabeças e as veias nas suas caras ficassem salientes. Processo que era repetido várias vezes ao longo do dia. Ninguém gostava.

Primeira produção de Hollywood a ter autorização para encerrar ao tráfego duas faixas da famosa Golden Gate Bridge, várias foram as cenas em que Tom Cruise foi colocado em cima de uma plataforma de modo a reduzir a diferença de alturas entre Lestal e os restantes vampiros. Lestat que, no livro de Rice, era homossexual e queria dormir com Louis. No filme, são apenas uma família disfuncional. Também Louis chegou a ser uma mulher numa versão inicial do guião de Jordan, que considerou mesmo Cher e Anjelica Huston para o papel. Talvez por pressão do estúdio, Jordan acabou por voltar atrás nessa decisão. Já Claudia no livro tem apenas cinco anos, no filme doze. Alterações profundas várias no argumento cinematográfico por parte de Neil Jordan que, no entanto, não foram reconhecidas pelos Writers Guild, que obrigou a Paramount a dar os créditos de guionista do filme à autora. Mas desengane-se quem julga que Rice não ficou satisfeita com o resultado final: uma "obra-prima", classificou a escritora norte-americana em entrevista ao New York Times. E Cruise, um portento no ecrã. As voltas que a vida dá.

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