Não tenho dúvidas do talento de Jordan Peele nem da qualidade dos seus primeiros dois filmes. O homem tem uma identidade e visão própria, sabe filmar como poucos e não tem medo de arriscar. É bom ver um guião fora-de-caixa como este a receber dos estúdios um orçamento de blockbuster, de franchises repetitivas que rendem milhões à indústria mas que não trazem nada de novo à arte. Dito isto, que barafunda descomunal. Ritmo complicadíssimo durante hora e meia, com tanto encher de chouriço que acaba por revelar-se completamente inócuo para o acto final. "
Qualquer coisa estranha anda a acontecer por aqui", grita cada frame de "
Nope", entre alegorias escancaradas à exploração animal, ao mundo do espectáculo, a Hollywood e ao racismo. A morte de um pai que pouco ou nada serve para a dicotomia relacional entre irmãos; não se sente o luto, o arrependimento ou saudade em nenhum dos dois. Aliás, em Kaluya, pouco ou nada se sente, seja o pânico do desconhecido ou a alegria de um plano que correu bem. A expressão facial é sempre a mesma e o tom de voz não oscila, algo que poderá funcionar noutros registos mas nunca num filme com tantos altos e baixos de tensão e emoção. Já a sua personagem magicamente sabe tudo o que fazer perante o desconhecido, qual cientista que estuda o fenómeno há décadas. "
Pode ser que seja como um animal selvagem, não se olha nos olhos e não nos ataca". Resolvido. O grande plano? Arriscar a vida a filmar o "desconhecido" para ganhar uns trocos. Isto numa altura tão evoluída a nível tecnológico, que ninguém acreditaria à mesma em qualquer imagem ou vídeo, tal a facilidade com que qualquer comum mortal consegue fabricar os mesmos com um computador. Fake news, anyone? Sonoplastia dos diabos, cinematografia cativante e efeitos especiais convincentes. Certo. Mas hype a mais, lógica a menos. Mulher bonita que arde, burrinha que dói. Diálogos de voz grossa demasiado patetas, qual Fernando Pessoa enfiado à força no meio de um concerto dos Xutos, um projecto de vaidade desconstruído de forma tão fácil que o que lhe acaba a sobrar em espectáculo, falta-lhe em humanidade. E não nos esqueçamos que tudo arranca com uma história antiga de uma personagem secundária, prova mais do que cabal da desorganização que por aqui andou.
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