Como exploração da nossa relação com a comida, da fome ao consumo desmesurado como conceitos intimamente relacionados com o funcionamento das sociedades e até a nível pessoal com o líbido e o prazer, há muito em "
Tampopo" que pode ser escrutinado e discutido, nem que seja pela forma quase sempre provocadora como o faz. Mas narrativamente falando, o filme do já falecido Juzo Itami - "herdeiro" de Kurosawa para muitos, assassinado pelos Yakuza no final dos anos noventa - perde-se completamente por volta dos trinta minutos. A um arranque de excelência, que nos prende e cativa a uma história que se quer de superação e sucesso daí em diante, sucede-se uma colectânea de sketchs totalmente aleatórios, com personagens ocasionais e um conjunto de acontecimentos, ora patetas - os barulhos a comer, a mulher moribunda a cozinhar até à morte ou o aspirador como substituto da manobra de Heimlich - ora carregados de tensão e cariz sexual - o ovo que escorre de um beijo, a ostra como objecto de desejo entre uma adolescente e um desconhecido ou, a mais escandalosa de todas, uma criança a lamber um gelado para gáudio de um adulto, com direito a zoom às ancas da criança - que tentam ser encaixados a martelo na história de fundo de "
Tampopo". Nestas várias partes isoladas que mesmo somadas não se encaixam num todo, juntemos ainda as diferenças culturais que não ajudam à festa: a mulher vista sempre como figura subjugada ao sexo masculino e os animais esquartejados à nossa frente são bons exemplos de um filme cuja energia é, com muito boa vontade, estranha para ocidentais. "Coração quente" e "hilariante" são alguns dos termos mais usados pela grande maioria dos cinéfilos que adoraram esta obra, no meio de parágrafos inteiros tão vagos quanto simbólicos; ultrapassou-me por completo.
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