quinta-feira, novembro 22, 2007

God Grew Tired of Us (2006)

Em 1987, o governo islâmico do norte do Sudão declarou morte a todos os Homens cristãos do sul do país, encetando uma guerra civil sem precedentes. Como consequência disso, 27 mil rapazes fugiram a pé para a Etiópia e para o Quénia, em trilhos de centenas, por vezes milhares de quilómetros. Aos campos de refugiados das Nações Unidas chegaram 12 mil sobreviventes, que aos poucos fizeram dessas tendas as suas casas, aprendendo a língua inglesa dia após dia com as aulas dadas pelos "salvadores" ocidentais. Entre eles estavam Panther, John e Daniel, três adolescentes sudaneses que ainda em crianças enterraram com as suas próprias mãos muitos dos familiares e amigos que os acompanhavam na triste odisseia. Até que um dia, os Estados Unidos em colaboração com as Nações Unidas, possibilitaram a um limitado grupo de "Lost Boys" - designação pela qual ficaram conhecidos, por terem deixado as suas mães, irmãs e mulheres para trás - a oportunidade de emigrarem para a Terra das Oportunidades. Em troca, teriam de arranjar um emprego nos três primeiros meses e pagar em seguida os custos da viagem ao governo norte-americano.

Produzido por Brad Pitt, realizado por um documentarista da National Geographic e narrado por Nicole Kidman, "God Grew Tired of Us" é uma reflexão tocante, inteligente, edificante e até divertida sobre a condição humana e o choque de culturas numa sociedade que pensa que "Sudão" é um objecto e não um país. Um novo mundo que traz autênticos pesadelos ao trio africano, que não faz a menor ideia do que é a electricidade, não sabe para que serve o frigorífico ou porque raios é que a Coca-Cola nos EUA tem o nome de Pepsi. Pequenos pormenores que ironizam a aflita situação, e que culminam no momento em que o tutor parte pensando ter explicado tudo - desde o funcionamento do chuveiro, passando pela razão de existirem sanitas e terminando na importância do congelador -, apenas para regressar no dia seguinte e ver que os alimentos congelados tinham sido comidos crus, com as mãos, pois os inocentes sudaneses não faziam a mais pequena ideia do que era um fogão nem que existiam utensílios com o nome de talheres.

E é essa evolução sócio-cultural de quem está perdido no planeta que inspira e nos faz pensar no que é realmente importante na vida. Porque a felicidade rapidamente se transforma em saudade, tornando bens materiais como a roupa e uma cama para dormir insuficientes para combater a ansiedade de voltarem a ser respeitados pelo meio envolvente. Porque, e citando um dos rapazes, "People here are not friendly to us. (...) Aren't we all sons of the same God?". Citação esta que antecede a do título da obra, tão forte e filosófica que acabou por substituir o pré-estabelecido "The Lost Boys of Sudan". E quando um filme conquista tanto o prémio do júri como o do público num dos festivais mais respeitados da indústria, o de Sundance, resta indagar o motivo pelo qual isto nunca chegou a estrear comercialmente na Europa.

7 comentários:

Anónimo disse...

Olá.
Acedi a este blogue via o estaminé do Nuno Markl. Ele faz menção ao teu penúltimo comentário num belo de um post sobre um tal de pseudo-crítico chamado Galrinho.. ou José.. ou Susana. O último parágrafo do Markl é fenomenal. lol

Parabéns pelo espaço :-)

Carlos M. Reis disse...

Obrigado Juliana. Espero que passe por cá mais vezes, será bem-vinda ;) Cumprimentos.

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto. Chega a ser comovente... Um abraço!

Carlos M. Reis disse...

Honestamente, nem foi com essa intenção ;) Mas é um daqueles documentários tão recheados de situações, que é fácil falar deles. A história é tão boa, que a mediana cinematografia passa despercebida. Um abraço Ricardo.

Cataclismo Cerebral disse...

Terá hipóteses de ir para os óscar? É que desde o início apostei sempre neste título como nomeado...

Carlos M. Reis disse...

Cataclismo, hipóteses não sei se tinha, pois estreou numa data complicada, que não sei se contava para estes próximos ou para os antigos (Janeiro de 2007). Estreia comercial, porque já tinha estreado em 2006 no Sundance, onde ganhou os prémios do Júri e do Público.

No entanto, este ano não será nomeado pois já saiu a lista dos pré-nomeados e não consta lá. Acho que este ano está guardado para o Sicko (espero bem que sim, para ver o que o Michael Moore faz desta vez ehehe).

Um abraço!

Anónimo disse...

muito bom, e emocionante também

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